Simples e conduzido por uma dupla de carismáticas atuações, o filme prova que com a abordagem correta qualquer gênero pode ainda oferecer bons frutos.
Não é nenhuma novidade que as comédias românticas são extremamente populares no mercado cinematográfico, conquistando inúmeros espectadores através de engraçados casais apaixonados e um clima de fofura constante. Com o avançar das décadas, entretanto, tornou-se claro que o gênero atravessou um duro processo de esgotamento, entregando exemplares baseados na reciclagem de ideias e na propagação de discursos saturados. Por conta disso, é sempre prazeroso encontrar projetos que se distanciam de artíficios já muito utilizados, ressignificando clichês ao entender que o valor de uma premissa não está necessariamente em seu ineditismo, mas sim na abordagem que esta recebe. É o caso de “Palm Springs“, longa que encanta através da sedutora química de seus protagonistas e dos inteligentes comentários que tece acerca da importância do amor.
Afetado pela exaustiva repetição de sua rotina, o despreocupado Nyles (Andy Samberg) tenta aproveitar o casamento de uma amiga de Misty (Meredith Hagner), sua duvidosa e controladora namorada, através da indiferença e da repressão de seus sentimentos. Inserido em um relacionamento infeliz, investe na bebida para “sobreviver” ao insuportável evento e busca ao máximo não ceder a deprimentes reflexões sobre as suas escolhas de vida. As coisas melhoram, felizmente, quando ele conhece a misteriosa Sarah (Cristin Milioti), irmã e dama de honra da noiva com quem acaba tendo uma divertida noite. Tudo se altera, entretanto, quando na manhã seguinte os dois se encontram presos à data da comemoração, fadados a repetir tal dia infinitamente até a descoberta de uma resposta. Partindo de um conceito popularizado pelo saudoso “Feitiço do Tempo” (1993), é essa a trama conduzida pelo estreante Max Barbakow, narrativa que mesmo carente de certa originalidade consegue surpreender pela forma como constrói a sua mensagem.
Escrito pelo também iniciante Andy Siara, o longa tem seu primeiro destaque na perfeita administração de seu ritmo, qualidade que permite não só uma eficiente captura da atenção do público como também uma fascinante renovação do humor a cada novo ato. Se em sua introdução a comédia se sustenta pelos paralelos estabelecidos entre a monótona existência do protagonista e a iminência de um “loop temporal” – sendo bastante satisfatório identificar como algumas falas sabiamente antecipam a terrível maldição -, no segmento seguinte o cômico se encontra nas criativas situações em que o casal se envolve. São cenas que conseguem equilibrar com perfeição o nonsense e o desenvolvimento das duas personagens. Dessa forma, torna-se impossível não torcer pela dupla rumo aos últimos minutos, parcela da produção que ao lado das demais reflete uma consciente direção no uso ideal do tempo de tela.
Não suficiente, fica claro que a ótima experiência se deve também às excelentes interpretações de Andy Samberg e Cristin Milioti, atores que dominam com maestria o teor sarcástico dos diálogos apresentados e exibem uma energizante conexão entre si. Extremamente carismáticos, conseguem assim harmonizar as falhas morais de suas figuras – que são suficientemente exploradas pelo roteiro – e os encantadores avanços que alcançam ao lado um do outro, engrandecendo a obra e tornando o seu acompanhar ainda mais divertido e contagiante. Como se não bastasse, é igualmente agradável a hilária participação de J.K. Simmons, ator que complementa – na pele do exagerado Roy – a importante mensagem do longa ao dificultar a vida de Nyles através de planos mirabolantes e mostrar os perigosos efeitos que a solidão em momentos difíceis pode causar no ser humano.
Por fim, vale destacar também o interessante discurso que o filme constrói acerca do papel dos relacionamentos amorosos. Construindo personas que constantemente flertam com a depressão e diferentes desapontamentos, a obra consegue mostrar como as experiências que Nyles e Sarah compartilham entre si ajudam na elevação de seus caracteres, tornando esperançoso o acompanhar do crescimento dessa paixão. Indo além, entretanto, chama atenção como o filme estabelece que a chave de qualquer parceria está em permitir que o outro se torne capaz de seguir em frente – denunciando ainda o egocentrismo de muitos ao enxergar os demais como meras plataformas para a sua própria felicidade – , ideal que é posto à prova com a evidente dificuldade de se quebrar o loop temporal. Apesar de bem trabalhados, entretanto, fica claro que certos acontecimentos se curvam à necessidade de existir uma boa mensagem, aspecto que não diminui a experiência, mas revela uma certa falta de compromisso em responder a todas as questões levantadas.
Simples e extremamente divertido, “Palm Springs” pode até não ser exatamente original, mas impressiona pelos rumos que adota na construção de seu simpático debate. Carregado por uma carismática dupla de atuações, a comédia romântica é um excelente passatempo e prova que com a abordagem certa até o mais saturado dos gêneros merece ser ainda explorado.