Entre erros e acertos, a segunda temporada da série ainda aposta na excentricidade de seus personagens e na forma transgressora de trabalhar o gênero de super-heróis para fazer sucesso.
A segunda temporada de “The Umbrella Academy” já começa com uma missão difícil: encontrar uma forma de redimir nossos disfuncionais heróis depois do fracasso em impedir o fim do mundo. Para isso, uma nova chance lhes é dada através dos poderes imprevisíveis do Número Cinco (Aidan Gallagher), que joga a equipe em diferentes momentos do início dos anos 1960, até bem próximo do marcante assassinato do presidente John F. Kennedy. Porém, acabamos descobrindo que além dos irmãos Hargreeves, outra coisa os acompanhou na viagem pelo tempo: o próprio apocalipse. Assim, o Número Cinco (sempre ele) busca reunir a trupe para (de novo) tentar evitar o tão temido fim do mundo. Parece simples? Mas claro que tudo é muito mais louco do que isso.
Esta nova leva de episódios também é marcada por erros e acertos, mas aparenta uma evolução, se comparada à primeira temporada. Menos minutos por capítulo certamente ajudam a manter o vigor narrativo e o interesse do público, ainda que continue inexplicável a necessidade de dez episódios. Contudo, o tempo que precisa ser preenchido para completar a duração total da série parece ter sido pior utilizado. Na primeira temporada, tínhamos subplots que, embora não levassem a trama principal muito para frente, ao menos serviam para desenvolver e dar mais tempo de tela aos protagonistas, algo fundamental para criar uma sintonia entre o espectador e a conturbada família. Agora, o que vemos é uma inclusão maciça de personagens secundários – alguns que sequer conversam com o que vinha sendo mostrado anteriormente -, e outros que não atingem o carisma necessário para agradar. O maior exemplo é o que acontece com a Comissão, que antes era uma fonte de humor sarcástico, e acabou tornando-se um núcleo importante da narrativa principal, cheio de estratagemas e cenas de ação, mas longe da sutileza achincalhada que a deixava tão divertida.
É possível notar a marcante narrativa da “família disfuncional” de “The Umbrella Academy” sendo deixada um pouco de lado nesta segunda temporada. Isso ocorre porque cada um, com o tempo que lhes é dado até Cinco reuni-los novamente, busca uma forma de reconstruir suas vidas nesta segunda chance, antes que a trama do apocalipse os ocupe novamente. Klaus (Robert Sheehan) e Allison (Emmy Raver-Lampman), os primeiros a desembarcar em Dallas, marcam as mudanças mais radicais. O Número 4 tornou-se líder de um culto e, embora isso deixe sua egolatria ainda mais explícita, aparentemente ele se manteve sóbrio por bastante tempo, revelando, inclusive, minúcias de seus poderes que ainda não conhecíamos.
Já a Número 3 se encontrou em uma jornada de autoaceitação totalmente condizente com o que vimos anteriormente. Após ter sua garganta cortada por Vanya (Elliot Page) na primeira temporada, Allison ainda passa um longo tempo sem conseguir falar, perdendo, obviamente, a fonte de seu poder. Incluí-la em um arco onde ela precisa aprender o que é ser negra nos anos 1960, um povo sem voz lutando pela própria sobrevivência, é no mínimo poético. Isso sem falar que, ao construir família e encontrar um propósito, a personagem não vê mais necessidade em usar o “rumor” para conseguir o que quer, algo impensável anteriormente, e marcante no seu desenvolvimento – embora o esquecimento total da sua filha Claire ainda causa certa estranheza.
Entretanto, personagens como Luther (Tom Hopper) e Diego (David Castañeda), com menos tempo em Dallas, mantêm (ou até extrapolam) as características vistas na temporada passada. Enquanto o Número 1 segue precisando seguir as ordens de alguém – ainda que tenha conseguido enfrentar um certo fantasma do passado (ou do futuro?) -, o Número 2 permanece com seu complexo de super-herói a todo vapor (agora focado na figura do presidente Kennedy), chegando a ser internado em um manicômio por causa disso. Isso não desmerece o desenvolvimento desses personagens – afinal, nem todos são obrigados a aproveitar qualquer oportunidade de mudar -, mas colabora com um sentimento que permeia a temporada: a repetição. A sensação que fica é de que era necessário trazer novamente a trama de evitar o apocalipse, mas a série vê a necessidade de inserir personagens e subtramas a todo custo para suavizar essa repetição, algo capaz de gerar confusão e desagrado no público.
Um pouco alheia à tudo isso está Vanya e seu arco peculiar. A causadora do apocalipse na primeira temporada acabou sendo atropelada assim que chegou em Dallas, e perdeu sua memória. Feita de “hóspede” por Sissy (Marin Ireland), mulher que a atingiu, além de criar um forte vínculo com o filho especial Harlan (Justin Paul Kelly), as duas acabam embarcando em uma aventura amorosa totalmente inapropriada levando em conta a época retratada, coroando a série como uma produção capaz de discutir temas sociais relevantes e atuais – como racismo, homofobia e brutalidade policial – sem perder o foco. O próprio arco de Allison, ou ainda as desventuras de Klaus também corroboram esse posicionamento.
A forma disruptiva como uma singular família de heróis é mostrada, aliada a músicas pop bem encaixadas em sequências de ação impactantes, preenchem uma fórmula que sempre encontrará entusiastas. Mas, mesmo assim, “The Umbrella Academy” parece sempre ainda estar aquém do seu potencial completo. Erros foram corrigidos, mas novos apareceram. Um cliffhanger foi deixado no fim da temporada, indicando que a Netflix acredita no sucesso da produção. Então, se ainda tiver dúvidas se vale a pena assistir a série, parafraseando Caio Fernando Abreu, “abrace a loucura antes que seja tarde demais”.