Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de julho de 2020

7500 (Prime Video, 2019): tensão sob medida

A partir do eficiente trabalho de Joseph Gordon-Levitt e da claustrofobia da cabine de um avião, o diretor Patrick Vollrath constrói um suspense que reconhece a tensão sentida pelos espectadores.

Filmes sobre sequestros de avião por terroristas e a consequente inquietação dos riscos de algo muito grave ocorrer nas alturas já foram feitos em larga escala. “7500” não foge dos elementos clássicos dessa proposta ao mostrar um grupo de homens tentando invadir a cabine da aeronave, enquanto o piloto Tobias Ellis (Joseph Gordon-Levitt) se esforça para controlar o voo e ainda negociar com os sequestradores. Porém, o trabalho do diretor estreante em longas-metragens Patrick Vollrath encontra sua personalidade ao trabalhar a tensão através da impotência do protagonista diante do incontrolável.

Mesmo que ainda não se saiba, os primeiros minutos da narrativa indicam como a perspectiva do cineasta será articulada mais adiante para criar a angústia pretendida. Primeiramente, a partir das câmeras do aeroporto se vê a movimentação dos passageiros aguardando o voo e algumas atitudes suspeitas; em seguida, mostra-se o embarque da tripulação e dos viajantes a partir de um plano estático no corredor de entrada e de outros planos situados na cabine. Aparentemente, a decupagem poderia propor uma imersão no cotidiano comum dos personagens até a irrupção do inesperado sequestro, especialmente para conhecer um pouco Tobias e sua vida pessoal. De fato, há esse efeito além de uma proposta de tensão que faz o protagonista ser colocado na mesma condição de espectadores diante de um filme – essa dupla leitura se inicia quando a rotina trivial é impactada pelo ataque dos terroristas.

Após a deflagração do conflito, a produção justifica o porquê de compor muitos planos na área dos pilotos: a maior parte da trama se desenrola no local sob o ponto de vista de Tobias. Restrito àquele espaço e sem saber o que acontece no restante do avião, ele se encontra tenso e dividido entre seguir na sua tarefa e tentar proteger os reféns – a impossibilidade de transitar pelo cenário e de escapar facilmente de uma situação limitadora (estar nas alturas) aproxima personagem e espectador pelo sentimento de claustrofobia. Como as pessoas diante de uma obra cinematográfica, Tobias não sabe o que esperar frente a algo que não pode controlar e muito menos definir com precisão. Naquelas circunstâncias, apena escuta sons externos, potencializados por um design sonoro que produz tensão tanto na comunicação por rádio com a torre de controle quanto nas batidas na porta pelos terroristas tentando entrar.

Da mesma forma, Patrick Vollrath fundamenta o uso anterior de imagens televisivas com o mesmo propósito de imprimir apreensão. Se antes eram as câmeras de segurança do aeroporto, em seguida vemos o televisor da cabine que exibe tripulação, passageiros e demais ambientes da aeronave para o controle do comandante. É por essa tela que o protagonista tenta acompanhar os acontecimentos do sequestro e se comunicar com os criminosos para tentar evitar uma tragédia dentro do possível, mas enfrenta duas barreiras: a cortina que oculta a visualização completa do corredor e a truculência dos antagonistas incapazes de dialogar sem recorrer à ameaça e à violência. Esse recurso também traduz a sensação de que o personagem está na posição do público, um simples e impotente observador de uma tela que apenas reage ao que vê, tal qual nossa situação diante de um filme no qual não podemos interferir.

O próprio Tobias se desenvolve como um homem comum, que poderia estar pilotando, viajando em um assento normal ou assistindo a um thriller. É um indivíduo de fácil identificação em razão da menção a uma família recém-formada e dos dilemas complexos que encara ao se questionar se deveria atender às exigências dos terroristas ou buscar outros meios de ajudar os reféns (inclusive, suas reações intempestivas e pouco recomendadas se assemelham ao que parte do público poderia imaginar fazer em situações daquela natureza). Essa conexão igualmente se constrói graças à composição de Joseph Gordon-Levitt, que segura a atenção mesmo em momentos em que não contracena com outro ator e traduz fisicamente o turbilhão sensorial pelo qual passa (o desgaste corporal causado pelos confrontos com os antagonistas, seus consequentes ferimentos e o extravasamento de sua dor palpável a cada nova complicação inserida na história).

Não deixa de ser também curioso como o sentimento de imersão naquela realidade afeta as percepções de personagens e audiências. É assim que todos são surpreendidos com a passagem do tempo indicada pelas mudanças na iluminação: a fotografia naturalista de uma ambiente com a claridade do fim da tarde cede lugar à escuridão da noite em curso e conclui com uma ambientação chuvosa que também dificulta a condução da aeronave. Tal aspecto não se diferencia tanto da sensação que temos dentro do cinema de mergulhar em um universo ficcional e mal notar o tempo transcorrer fora daquela sala. Ainda assim, deve-se observar que as transformações climáticas sempre são sentidas dentro da cabine e de uma maneira que oferece mais adversidades aos personagens.

Se examinarmos o desenvolvimento da trama, é possível também notar que novos elementos e reviravoltas seguem essa mesma lógica da tensão. Tanto o piloto quanto os sequestradores lidam com complicações progressivas que escapam ao seu controle e são retratadas por diferentes telas: o já citado televisor, o painel de informações da aeronave (reveladora, por exemplo, do fim do combustível) e a janela do próprio avião embaçada pela chuva (ocultadora do que ocorre ali dentro para as autoridades e do que acontece na área externa para os personagens centrais). Portanto, a aflição do suspense é criada dentro de uma perspectiva metalinguística, na qual Tobias é colocado na posição impotente de um espectador assistindo a um filme sem poder alterar os rumos do que vê. Uma escolha que fica ainda mais irônica quando o protagonista se descola do público e nos deixa sozinhos na impotência de não saber as consequências finais daqueles eventos.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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