Carregada por uma estonteante atuação de Mark Ruffalo, a minissérie é um denso e belo ensaio sobre a importância do autoperdão e da busca por segundas chances.
A vida de Dominick Birdsey (Mark Rufalo) definitivamente não é das mais fáceis. Afastado da esposa Dessa (Kathryn Hahn) e inserido em uma pacata rotina como pintor de telhados, o homem leva uma deprimente vida em uma pequenina e cinzenta cidade norte-americana cuja história é demarcada por diferentes tragédias. Verdadeiro guardião do gêmeo Thomas (também interpretado pelo ator principal), um esquizofrênico paranoico que necessita de toda a ajuda possível, ele ainda tem que administrar o seu frágil relacionamento com o padrasto Ray (John Procaccino) enquanto acompanha os últimos dias de sua querida mãe (Melissa Leo). Tudo piora, todavia, quando o envolvimento de Thomas em um terrível acontecimento acaba levando à internação do mesmo em um duvidoso sanatório, forçando Dominick a adentrar uma emocionante jornada para salvar o querido irmão. Baseada na obra homônima de Wally Lamb (que aqui auxiliou diretamente no roteiro), é essa a densa trama de “I Know This Much Is True“, uma tocante minissérie da HBO sobre a importância de se aprender a lidar com os próprios traumas.
Criada e dirigida por Derek Cianfrance, a produção tem como primeiro destaque a sua eletrizante atmosfera, entregando uma experiência opressiva e repleta de uma crescente tensão que facilmente captura os espectadores. Envolta pela cinzenta fotografia de Jody Lee Lipes, eficiente em realçar o tom fúnebre que reveste a pequena cidade central, tem-se assim uma imersiva experiência da qual é difícil se desprender apesar dos fortes eventos retratados na tela. Não suficiente, é notável a dedicação do diretor ao desenvolvimento da ambiguidade moral de alguns dos principais personagens, convidando quem os acompanha a tentar decifrar suas múltiplas camadas e configurando uma narrativa na qual a falta de obviedades recompensa o público. Como se não bastasse, deve-se mencionar também o agradável ritmo que a produção estabelece, alternando de forma bastante dinâmica entre confissões relacionadas à infância e a adolescência do protagonista – flashbacks cujas revelações não só aprofundam bastante a fragmentada psique de Dominick, como também energizam a breve maratona ao se mostrarem muito bem cadenciados – e o amargo presente em que ele se encontra.
Dessa forma, é fácil perceber que o diretor não desperdiça nenhum momento em sua curta maratona, jamais pendendo à monotonia ou dando margens ao cansaço mesmo ao priorizar o desenvolvimento psicológico de suas figuras em detrimento de grandes ações. Uma vez com o seu tom estabelecido, a produção não tarda em revelar suas verdadeiras intenções, transparecendo o objetivo de costurar assombrações do passado e problemas do presente para fornecer ao protagonista uma plataforma terapêutica. Prova disso é a narração de Ruffalo que se faz presente desde os segundos iniciais, escolha bem justificada de conduzir os acontecimentos (embora careça de certa originalidade e seja um tanto repetitiva) uma vez que, além de ser explicada em determinado momento da trama, transforma quem assiste nos confidentes do personagem, engajados junto a ele a tentar encontrar soluções para superar uma conturbada trajetória. Variando entre diferentes linhas do tempo, o roteiro tenta assim encontrar explicações para os sofrimentos do protagonista, concedendo bastante material para trabalhar as suas motivações e a agridoce relação que ele estabelece com Thomas.
Indo mais a fundo, tal estrutura permite a construção de um complexo protagonista, figura que captura o espectador através da belíssima lealdade que nutre pelo irmão apesar de algumas duvidosas escolhas feitas ao longo da vida. Seria injusto ignorar, todavia, que para o funcionamento desse aspecto é de extrema importância a impressionante atuação de Mark Ruffalo, que dedicado a interpretar alguém com múltiplas camadas – extremamente convincente em equilibrar a arrogância que uma sofrida vida lhe impôs com a compaixão inabalável que tem por Thomas – ainda encontra espaço para retratar com delicadeza os efeitos de uma triste doença mental sobre uma dócil pessoa. Temendo pela vivência de seu gêmeo na instituição e atormentado ainda por questões do passado – entre as quais podemos apontar o agonizante desconhecimento quanto à identidade de seu pai -, ele se insere então em diferentes atritos com alguns representantes do malvisto hospital, descobrindo indivíduos que podem na realidade querer de fato ajudá-lo. Exemplos disso são a bondosa assistente social Lisa Schaefer – que na pele da ótima Rosie O’Donnell demonstra grande compaixão por trás de uma desafiadora seriedade – e a Doutora Patel (a simpática Archie Panjabi), psiquiatra inicialmente dedicada a Thomas que acaba estendendo seus atendimentos a Dominick. Inicialmente bruto com tais figuras, o último passa a entender que certas questões não devem ser trabalhadas em isolamento, considerando que talvez o compartilhamento das mesmas seja a solução mais efetiva para as mesmas.
Motivado por tais revelações, a luta pela libertação de seu irmão passa então a ser compartilhada com uma intensa batalha interna, um duro conflito envolvendo uma opressiva teimosia e a dificuldade de se ressignificar certas feridas. Forçado pelo duro cotidiano a ser o principal escudeiro de Thomas, ele tenta entender que administrar a própria rotina é igualmente importante, buscando então consertar certas perdas pessoais antes que seja tarde. Evitando cair em simplismos, todavia, a série revela sua verdadeira grandiosidade ao estabelecer a importância de se diferenciar a busca por respostas na revisitação de antigas experiências do resgate de justificativas artificiais para os nossos erros. Projetando no irmão a causa de vários de seus afastamentos (pensamento que mesmo assim não o impede de protegê-lo a qualquer custo), Dominick não só percebe que não deve cuidar dele sozinho como também realiza que suas falhas morais não se devem a algum agente externo se não a si próprio. Focando de forma bastante inteligente na importância das segundas chances – tópico que acaba interferindo de forma não idealizada no desenvolvimento de Ray e Dessa – e construindo um belo arco de redenção, Cianfrance consegue assim trabalhar um eficiente discurso acerca da necessidade de aprendermos a nos responsabilizar por nossos atos antes de seguirmos em frente, sendo apenas possível fazer o último uma vez que obtivermos paz com nossos erros.
Difícil de se assistir em certos momentos, “I Know This Much Is True” é um depressivo lembrete de que a dureza da vida não é algo a ser enfrentado em isolamento. Trazendo uma arrasadora atuação de Mark Ruffalo, ator que entrega um complexo protagonista e um coadjuvante que em muito complementa a figura central (outro lembrete da urgência em nos deixarmos afetar pelo lado positivo daqueles com quem nos importamos), a minissérie captura o espectador com uma opressiva e intrigante atmosfera e o convida a embarcar em um sofrido mosaico entre o passado e o presente de um homem fraturado. Indo além, todavia, a produção traz importantes ensinamentos, conquistando ao construir uma bela discussão sobre a importância da busca por segundas chances. A atração é assim, finalmente, um urgente ensaio acerca da necessidade de se entender o passado mas não se manter preso a ele, sendo apenas possível construir um futuro através do autoperdão e do abandono de frágeis desculpas para justificar imorais comportamentos.