Gavin O’Connor reinventa fórmula batida dos filmes de esporte para mostrar que não basta vencer para se livrar de um vício. Lutando na ficção e na realidade contra o alcoolismo, Ben Affleck apresenta uma das melhores atuações da sua carreira.
Em fevereiro deste ano, Ben Affleck deu uma entrevista ao jornal The New York Times falando sobre como os problemas com o álcool impactaram em sua vida pessoal e profissional. “Você precisa se recompor, aprender com isso, aprender um pouco mais, tentar seguir em frente”, afirmou. Um mês depois, aconteceu o lançamento de “O Caminho de Volta”, com o ator interpretando Jack, um homem que ainda encara o álcool como uma forma de escapar dos seus problemas. O simbolismo de vê-lo encarando o alcoolismo em tela traz uma perspectiva peculiar para o longa-metragem dirigido por Gavin O’Connor (“O Contador“).
A obra gira em torno de Jack Cunningham, ex-atleta prodígio do Bishop Heyes, um time com jovens que ainda estão no colegial. Agora trabalhando na área de construção civil, ele vê o álcool como um momento de alívio para as dificuldades que a vida lhe impôs. Para demonstrar como o vício já faz parte do personagem, são destacadas latas de cerveja enquanto ele dirige, toma banho ou até mesmo quando chega na casa da irmã com uma lata na mão. Ao receber um convite do Padre Devine (John Aylward) para ser técnico dos rapazes, usa a bebida para ajudar a encontrar a resposta. Ele fica meio balançado por estar longe do basquete há muito tempo e por treinar um time que não é bom como o próprio padre admite.
O roteiro de Brad Ingelsby (“The Friend”) segue a fórmula clássica de filmes esportivos: de time derrotado que muda o comportamento e começa a ganhar. Entretanto, seu último trabalho não é sobre basquete. O próprio tema tem seu ápice no segundo ato, abrindo caminho para finalizar a história de Jack. Aos poucos, são apresentadas as barreiras que colocaram o protagonista nessa posição de vício. Ele não percebe quando exagera e se sente insultado ao ser confrontado sobre o excesso de bebidas, agindo com agressividade. Inventa desculpas e mente para não contar que, de fato, estava bebendo.
A ótima direção de O’Connor, com a adição da excelente trilha sonora composta por Rob Simonsen (“Tully”), apresenta como essa mínima decisão pode virar um pesadelo para um alcoólatra. Em uma cena, trinta latinhas na geladeira acabam em um piscar de olhos, passando sempre por seu ritual: tira uma lata da geladeira, sobe para o freezer enquanto pega uma bem gelada que já estava no local. Passa a impressão de que beber é uma maneira de Jack se sentir no controle.
Destaque também para o trabalho de montagem de David Rosenbloom (“Conexão Escobar”), que ganha tempo ao resumir cenas destacando certos elementos, como as caixas de papelão cheias de roupas no seu quarto, que encurtam o fato que se mudou e não lidou bem com a separação a ponto de arrumar a casa. Outra decisão acertada: paralisar a imagem e mostrar o placar do primeiro jogo, uma derrota por 67 a 31. Nem precisa perder tempo com o jogo, claramente eles não foram bem.
Em uma das melhores atuações da sua carreira, Ben Affleck cambaleia, mostra um comportamento mais agressivo, abusa da fala arrastada enquanto está bêbado e demonstra ser uma pessoa solitária. Em uma cena, após receber mais uma péssima notícia, Jack caminha até o balcão. O simples ato de ir ao bar ganha outra intenção quando essa pessoa é um alcoólatra. A trilha acrescenta a importância dessa decisão, com notas crescentes de um piano, quase que explicitando tudo o que se passa em sua cabeça. Sem esse acompanhamento, o momento perderia o sentido.
“O Caminho de Volta” não tem medo de abraçar seus momentos de emoção. Com uma direção impecável, ótimos roteiro, trilha e montagem, e utilizando o esporte como um caminho para a redenção, Affleck mostra que o vício é a pior maneira de afogar as mágoas. Seja na vida real ou na ficção, Rocky Balboa já resumiu a mensagem: “Nem você, nem eu, nem ninguém bate mais forte que a vida. A questão é o quanto você aguenta apanhar e continuar seguindo em frente”.