Drama da Netflix acompanha os passos de um jornalista de uma pequena cidade enquanto atravessa o luto causado pela perda recente da mulher e redescobre a alegria de viver.
Em meio a tantas opções para assistir neste oceano vasto e profundo dos streamings, escolher uma série cujo título em inglês vem acompanhado da tosquíssima frase em português Vocês Vão Ter de Me Engolir (e que nos leva mais uma vez a perguntar que necessidade louca é essa do Brasil em traduzir ou complementar bons títulos) é bem próximo do improvável. Mas não se deixe enganar pelo subtítulo grosseiro. “After Life: Vocês Vão Ter de Me Engolir” é uma produção Netflix surpreendente. Em poucos e rápidos episódios – ao todo são seis capítulos de trinta minutos -, consegue transmitir sua mensagem com eficiência, auxiliada pelo excelente emprego do humor ácido num texto em grande parte delicado e melancólico.
A produção nos apresenta ao jornalista Tony, cuja vida e a personalidade mudam drasticamente após a morte precoce de sua esposa Lisa, vítima de um câncer de mama. De homem alegre e bonzinho, ele passa a tomar atitudes impulsivas, transformando o mundo a sua volta numa forte tempestade de sinceridade cruel. Bem escrita, sensivelmente dirigida e atuada com afinco pelo britânico Ricky Gervais, a série tem como ambientação um pequeno município chamado Tambury. O lugar apresenta hábitos arcaicos (entregador de leite!?) e cidadãos repletos de histórias absurdas, publicadas pelo principal meio de comunicação da região, A Gazeta de Tambury, onde trabalham Tony, seu cunhado Matt e outras figuras peculiares e gentis.
Uma decisão inteligente do criador está na concepção do ambiente, que logo se estende ao texto. Ao colocar o protagonista como repórter de um medíocre jornal local, instalado num pequeno vilarejo, sua trajetória é conduzida por um caminho de diálogos e pensamentos mais intimistas, pelo qual o espectador se sente à vontade em ser guiado. Além disso, o argumento estabelece um paralelo adorável quando usa um minúsculo universo para comunicar a importância das pequenas gentilezas. Isso pode ser visto nas entrevistas que o personagem realiza com os habitantes – nas quais tira boas lições por mais que se sinta constrangido- e nas relações com os colegas de trabalhos, com o carteiro, o terapeuta maluco, entre outros.
Comediante versátil e de humor mordaz por trás da versão britânica sitcom “The Office”, Ricky Gervais demonstra aqui habilidade em mesclar tons e sensibilidade criativa para lidar com um tema angustiante para as pessoas. Num texto incrivelmente ágil e cativante, ele consegue alternar entre momentos de graça e leveza para situações em que seu personagem expõe de forma sutil toda insatisfação com a vida sem a sua esposa. Também é válido ressaltar como a série discute abertamente temas como o suicídio, drogas e todo o luto em si, o que torna a trajetória do protagonista muito mais verossímil e cativante. Embora focado em Tony, o roteiro reserva ao público subtextos cativantes. Alguns engraçados. Outros dolorosamente risíveis.
Apresentando uma dinâmica encantadora entre os personagens (Tony cultiva amizades com o carteiro, com a profissional do sexo Roxy e também com a viúva Anne, cuja relação é uma das mais tocantes e reflexivas), sustentada por uma direção que transmite sensibilidade e uma trilha sonora para guardar na memória, “After Life: Vocês Vão Ter de Me Engolir” é uma série fascinante, engraçada e comovente. Uma obra que mostra que assistir ao passado na tela de um notebook pode ser emocionante, um tapinha no ombro irradia força, uma conversa no banco de um cemitério aquece o coração e uma rápida visita ao asilo significa um enorme sinal de carinho. Melhor do que um esperado presente, trata-se de um beijo carinhoso e um abraço apertado durante um período de tristeza.