Com uma narrativa repleta de elementos sem sentido, filme de Michael Scott pode entreter em partes, porém não consegue ser uma obra coesa.
O thriller da Netflix “Mentiras Perigosas” conta a história de Katie (Camila Mendes, da série teen “Riverdale”), que após perder seu emprego de garçonete, começa a trabalhar como cuidadora de Leonard (Elliott Gould), um idoso rico com problemas de saúde. Quando o mesmo morre repentinamente e deixa tudo para Katie, ela e seu marido Adam (Adam T. Usher) são jogados numa teia intricada de mentiras e assassinato.
Desde seu início, o filme dirigido por Michael Scott e roteirizado por David Golden parece não saber o que quer ser: uma abertura com música pop e cores neon passam uma estética que não aparece mais em nenhum outro momento. Apesar de tentar inserir tensão com uma trilha sonora exagerada que quer obrigar o espectador a sentir medo, ele também acaba parecendo um clipe, com diversas músicas pop jogadas no meio de sua duração. O tom da narrativa se desenvolve de forma confusa e sem foco.
O relacionamento entre Katie e Leonard é constrito a cenas nas quais o filme quer que você acredite que eles eram amigos próximos. Todo mundo fala que eles eram, diversas vezes, ao invés de mostrar. Não vemos nenhum carinho ou companheirismo entre os dois, apenas interações superficiais. Não ajuda que as atuações dos personagens secundários e principalmente do ator que interpreta Leonard sejam tão forçadas, e que as falas às vezes pareçam saídas diretamente do clássico filme ruim “The Room”.
E não são apenas os diálogos sobre Leonard e Katie que são expositivos: o filme todo se apoia nessa abordagem preguiçosa. Katie e seu marido Adam passam por problemas financeiros e em uma cena específica, após ela listar todas as contas que ambos precisam pagar, sentem a necessidade de incluir uma fala com qual ela diz com todas as letras “precisamos de dinheiro, estamos com problemas”, como se a audiência não conseguisse entender o mínimo para acompanhar a história. Esse elemento insulta a inteligência de quem assiste e se torna cansativo rapidamente.
Apesar de entregarem performances decentes, Mendes e T. Usher não apresentam química nenhuma como casal. Seus personagens não têm carisma ou personalidade suficientes para fazer a audiência se importar com eles. De alguma forma, o texto de Golden faz até com que os problemas com dinheiro que eles enfrentam pareçam superficiais, apesar do empenho em focar nisso sempre que há oportunidade. Um assunto que poderia causar tanta empatia por ser a realidade da maioria das pessoas é desperdiçado por não ser tratado como uma ameaça real, e sim apenas uma desculpa qualquer para avançar a história.
O texto também sente a necessidade de introduzir um vilão, o agente imobiliário Mikey Hayden (Cam Gigandet), que ajuda a afundar ainda mais a narrativa pela natureza nem um pouco sutil de suas ações. Na verdade, o filme todo parece uma fusão de diversos elementos sem sentido: após Katie ser ameaçada por Mickey, Adam age como se não fosse nada demais em uma situação onde ambos claramente estão em perigo; Katie não parece sentir nenhum dilema moral em se mudar imediatamente para a casa do homem que ela dizia gostar tanto logo após sua morte; a detetive encarregada do caso da morte de Leonard faz joguinhos mentais com o casal ao invés de ser direta, como alguém com o mínimo de ética faria; diversas cenas começam com Adam perguntando o que Katie está fazendo, como se o roteiro não soubesse como duas pessoas normais interagem entre si; a existência de um conflito no início do primeiro ato que parece importante mas de fato não serve para nada no decorrer da história; entre diversos outros problemas.
Mesmo apresentando um bom ritmo durante seus 98 minutos de duração e desenvolvendo o suspense principal de forma interessante a partir de meados do segundo ato, esses elementos positivos não são suficientes para salvar o filme. No seu desfecho, a narrativa decide revelar diversos plot twists que parecem inseridos apenas para chocar, como se isso por si só tornasse a obra mais elaborada e eficiente, quando na verdade apenas um deles era de fato necessário para fechar bem a história e explicar questões que antes pareciam mal resolvidas. O saldo negativo de todas essas revelações é que tentando manter todos os personagens suspeitos, todos em algum momento tem ações duvidosas. Quando descobrimos a verdade, cenas inteiras perdem completamente seu sentido, erro comum em suspenses que se preocupam mais com revelações chocantes do que o desenvolvimento dos seus personagens, sem saber que ambos podem (e devem) andar lado a lado.
Dessa forma, a narrativa se encerra com um clichê que pode fazer a audiência querer arrancar os cabelos quando os créditos finais aparecem na tela. Sem nada de artístico na sua execução e uma trama cheio de falhas, “Mentiras Perigosas” parece apenas uma tentativa de emular uma mistura entre “Parasita” com “Entre Facas e Segredos” em diversos de seus elementos, sem sucesso. Na dúvida, é melhor assistir a um desses outros filmes.