Com astro de "La Casa de Papel" na pele de um complexo escritor, filme conta uma história desinteressante e monótona.
“Nenhum escritor é bom a não ser que tenha sofrido” – Henry Miller.
Protagonista recorrente de várias narrativas, a figura do escritor é regularmente tratada como uma mente perturbada, envolta por uma complexidade criativa ou abatida por extremos sentimentos de sofrimento e solidão. O cinema então, apenas coloca em prática aquilo que, segundo o autor norte-americano Henry Miller, são características inerentes à profissão. No entanto, o que o cinema também faz para tornar a jornada desse tipo de persona ainda mais interessante é brincar com a linha tênue que separa a ficção da realidade, como já vimos, por exemplo, nos filmes “A Janela Secreta” (com Johnny Depp interpretando o atormentado Mort Rainey), “O Corvo” (com John Cusack vivendo o melancólico Edgar Allan Poe) e por que não “Goosebumps: Monstros e Arrepios” (aventura que trouxe o Jack Black na pele do ranzinza R. L. Stine) e tantos outros. O novo original Netflix, o suspense espanhol “O Silêncio do Pântano“, oferece a sua versão da brincadeira de misturar a realidade com o fingimento, mas esbarra na falta de inventividade de um roteiro enfadonho, um elenco inchado e um protagonista frequentemente esquecido.
Baseado na novela homônima de Juanjo Braulio, a trama acompanha um escritor, cujo nome não é revelado, que ao pesquisar sobre casos de corrupção para o seu novo livro acaba cruzando a fronteira entre o ficcional e o real. O já citado “A Janela Secreta”, baseado em livro de Stephen King, mesmo não sendo uma obra prima do gênero, despertava grande interesse pela atuação de Johnny Depp num filme sustentado por um texto esperto, repleto de acontecimentos que insistiam em fazer o espectador se questionar sobre a veracidade das situações vividas pelo personagem principal, tudo isso somado a uma condução sagaz do diretor David Koepp. Relembrar essa produção talvez seja a comparação mais digna para explicar em que ponto o lançamento da Netflix poderia chegar em termos de ambição dramática. Assim como no filme de 2004, temos aqui um autor, um ator carismático e um conto a ser trabalhado com a ajuda dos meios criativos desenvolvidos pelo seu narrador.
A diferença reside na confecção da narrativa e na sua notável falta de habilidade para sequer emular alguns clichês. A começar, vale destacar na história a presença da estrela que atende pelo nome de Pedro Alonso. O ator, que ganhou notoriedade interpretando o controverso, porém carismático, Berlim em “La Casa de Papel”, surge como a grande aposta para chamar a atenção do público que sente saudades da série espanhola e navega sedento e indeciso pelo vasto catálogo do streaming. O problema é que Alonso, além de não se apresentar em sua melhor forma, tem todo o seu charme e magnetismo sabotado por um roteiro opaco e sem ação da dupla Carlos de Pando e Sara Antuña – ao intérprete entrega-se um sujeito taciturno, isolado e anulado por uma trajetória sem movimentos e muitas vezes sacrificada por tramas paralelas. Nem mesmo vestido de uma jaqueta de couro e a bordo de sua bela moto, ele se mostra capaz de evocar algum mistério. Sem ter onde ancorar-se, a produção perde o foco e segue improdutiva ao longo de noventa minutos que facilmente se transformam em cento e vinte.
A ausência de conflitos paralelos convincentes colaboram para que a obra pareça mais longa do que realmente é. Uma enxurrada de personagens secundários aparece na história por meio de frágeis justificativas sem o tempo necessário para que possam ser explorados. Políticos corruptos, uma idosa que controla o tráfico numa região do subúrbio de Valência, um professor de economia também ligado ao tráfico e um taxista carniceiro que sabe se lá por que usa um pé de cabra como ferramenta para matar. Com espaço para tantas trajetórias interligadas – todas elas sofrendo com péssimas atuações -, e pouco tempo de duração, quem perde ainda mais é a jornada do complexo protagonista que some com frequência e quando volta não sabe mais para onde vai. A introdução do irmão, com quem parece ter um conflito latente, é mais um embate descartável, que só servirá para um desfecho barato e de violência gratuita. E se o roteiro é uma confusão só, a edição picotada de Josu Martínez falha miseravelmente na tarefa de passar tanto a sensação de urgência como conceber uma linha temporal coerente.
“O Silêncio do Pântano” anuncia um suspense promissor e conta com boas referências para construir tal atmosfera, mas no fim se entrega a uma narrativa de tensão fácil, inconclusiva, sem criatividade para atrair as expectativas do público carente de bons personagens e conflitos que possam sustentá-la.