A animação escorrega em elementos apressados vitais em seu roteiro, mas conquista com uma protagonista magnífica, animação estonteante e músicas marcantes.
A era da Renascença da Disney durante a década de 1990 rendeu uma impressionante sequência de seus maiores clássicos. Obras como “A Pequena Sereia”, “Aladdin” e “Mulan” conquistaram crítica e público com seus poderosos números musicais e uma história profunda. “A Bela e a Fera” conseguiu até uma indicação ao Oscar de Melhor Filme. Após tal feito, o estúdio do Mickey queria outro filme que conseguisse concorrer à cobiçada estatueta dourada. Tal ambição levou à decisão de dividir o time de animadores para trabalhar em duas obras, uma foi “O Rei Leão”, a outra foi “Pocahontas”.
Lançado em 1995, um ano após Simba ter protagonizado um dos longas mais marcantes da história da animação, este filme tinha a ingrata missão de atender às altas expectativas criadas, e sofreu com isso. Não rendeu o esperado nas bilheterias e nem chegou perto de agradar aos críticos como seu antecessor, provavelmente devido ao desequilíbrio de qualidade de seus elementos.
A história é levemente baseada na vida de Pocahontas, uma índia americana que realmente existiu, e seu encontro com o explorador inglês John Smith, que se passa na colonização de uma área da costa leste do que é hoje os Estados Unidos. As adaptações trazidas pelo roteiro não caíram bem com muitos historiadores e membros da comunidade nativa norte-americana que não entraram em acordo sobre se a maneira com que a população original daquela terra foi apropriada ou não.
Além das críticas quanto às mudanças propostas, o ritmo do filme não funciona muito bem. Com apenas uma hora e vinte e um minutos de duração, o longa é apressado em desenvolver alguns elementos chaves. A relação entre Pocahontas (Irene Bedard) e John Smith (Mel Gibson) é um bom exemplo. No mesmo dia em que se conhecem, eles aprendem a se comunicar com uma velocidade impressionante, resultando numa súbita paixão que não convence.
Mas nem tudo flui mal na trama. A protagonista em si é otimamente apresentada, com sua personalidade forte e cativante conquistando quase que imediatamente, méritos também de Bedard, que empresta sua voz altiva e assertiva a uma personagem que não se encolhe perante desafios. A relação romântica pode ter sido mal desenvolvida, mas Pocahontas em si é apaixonante.
Onde o filme absolutamente brilha é em seu visual e em sua música. As expressões faciais são acima da média e quando os diretores Mike Gabriel e Eric Goldberg abrem as tomadas para mostrar a natureza do local, é impressionante. A paleta de cores se mescla com movimentações orgânicas de humanos, animais e folhas ao vento. O traço angular e pontiagudo não só combina com o tom mais dramático deste filme (comparado com outros da Disney da época) mas resulta numa protagonista que veio à vida com tamanha qualidade que supera vários personagens desenhados anos depois. Se valendo de rotoscopia – técnica que se resume em artistas desenhando por cima de imagens reais, quadro a quadro – Pocahontas e John Smith se movimentam de maneira impressionantemente natural. Que fique registrado também que os próprios atores (Bedard e Gibson) foram os modelos de tal técnica.
A trilha sonora ficou a cargo de Alan Menken, responsável por “apenas” seis dos dez filmes da Renascença, e é cheia de canções marcantes representadas em números musicais belíssimos. De Just Around the Riverbend, que apresenta a protagonista e sua posição perante uma função imposta a ela, à Colors of the Wind, que foi a primeira música escrita para o longa e ditou o tom da produção, é um desfile sonoro que evidencia o talento do compositor para criar obras memoráveis.
O tom mais dramático, aliás, é um dos pontos positivos do roteiro. Afinal, a subcamada da triste invasão dos colonos que resultou na chacina do povo nativo da região permeia toda a obra. Mesmo com o final utópico demais, a história real pesa na cabeça dos espectadores e o filme consegue passar sua mensagem atemporal de que o medo, a raiva e a desconfiança de pessoas de origens e costumes diferentes podem levar o ser humano a suas piores atitudes. É um eterno lembrete de que precisamos buscar evoluir espiritualmente como uma espécie que preza pela pluralidade de suas sociedades. Até mesmo os companheiros animais tiveram seus diálogos removidos para que o tom místico da trama venha de um lugar mais austero.
Este filme pode não ter um roteiro bem equilibrado, o que acaba desperdiçando um romance que tinha potencial para dizer muito sobre a união entre humanos de origens diferentes, mas o acertado tom para lidar com lados – e épocas – sombrios da humanidade faz a diferença na importância de sua história. Com um visual absolutamente deslumbrante, músicas impecáveis e uma protagonista que domina a tela, “Pocahontas” merece seu lugar como um clássico da Disney.