Um diretor estreante em longas mas com ótimo histórico, atores excelentes e uma premissa cativante. A receita perfeita para mostrar que nem sempre boas ideias rendem filmes de qualidade.
Filmes sobre viagens espaciais costumam render obras densas e reflexivas, especialmente quando o tema principal não se limita à tecnologia em si, mas se expande para o verdadeiro protagonista desses feitos: o ser humano. Mais profunda ainda a obra se torna quando a glória de superar a viagem é substituída pela infâmia de não conseguir lidar com as próprias limitações. Não são muitos os exemplares com esse enfoque – menos ainda os de qualidade -, o que faz de “Lucy in the Sky” uma decepção muito mais incômoda.
É curiosa a percepção de um filme sobre viagem espacial que mostra essa grandiosa jornada apenas na sua primeira sequência, e todos os acontecimentos seguintes refletem sobre as consequências de tal viagem. E no caso de Lucy Cola (Natalie Portman), a astronauta no céu do título, a abordagem escolhida é a psicológica, trazendo uma ponderação muito intrigante: será que veríamos o nosso mundo rotineiro da mesma forma após ter um vislumbre real da imensidão do universo? Você pode até ter dito sim, mas a ideia de “Lucy in the Sky” é te convencer do contrário, enaltecendo as diversas qualidades (físicas, mentais etc.) de Lucy, e mesmo assim mostrando que ela não foi capaz de suportar a mudança de status quo que uma experiência tão impactante causou em sua vida.
A premissa foi lançada e certamente desperta interesse, mas a questão aqui é como executar bem a ideia inicial. Certamente o diretor Noah Hawley, estreando em longas-metragens após criar séries como “Fargo” e “Legion”, estava repleto de boas intenções. Nota-se que o cuidado com a representação das crises de ansiedade de Lucy é exemplar: ele insere imagens que certamente retratam os pensamentos do passado da protagonista – ou até mesmo do “futuro”, porque a imaginação não costuma ser amiga em momentos como esse; esses pensamentos começam a surgir em qualquer momento, por mais inoportuno que seja; ela repete frases dos testes feitos na NASA quase como um mantra, como se aquilo fosse sua âncora na realidade, algo capaz de acalmá-la nos momentos conturbados.
É perceptível ainda que Hawley buscou o que havia de melhor para trazer seus personagens à vida. Jon Hamm traz todo o carisma necessário para nos fazer crer que seu relacionamento com Lucy era a única coisa que lhe fazia se sentir viva, além do anseio pela volta ao espaço. Ellen Burstyn nem precisa se esforçar muito para trazer ótimos momentos como a avó de Lucy. Zazie Beetz e Dan Stevens, apesar dos personagens unidimensionais, conseguem compor bem o elenco principal. Mas não há como não destacar o trabalho de Natalie Portman aqui, mostrando mais uma vez que ela é uma das grandes atrizes da atualidade – mesmo não escolhendo os melhores projetos para comprovar isso. O que ela faz com um olhar ou uma postura diferente é impressionante, sem falar no peso que é ter uma câmera apontada para si 100% do tempo. Qualquer atuação abaixo de excelente teria comprometido o filme, o que certamente não ocorre aqui.
Porém, à medida que o filme avança e o objetivo de Lucy de voltar a ter aquela experiência estarrecedora se afasta, as crises vão se tornando piores, visto que a única coisa que realmente mantém a protagonista sã está cada vez mais distante. Quando esse ponto de virada finalmente chega, “Lucy in the Sky” se perde completamente. O drama sobre a mente humana desenhado nos primeiros atos transforma-se num thriller passional, que se bem executado poderia até render algo significativo. Mas, infelizmente, a história de uma mulher que não consegue mais se conectar com a realidade por causa de uma experiência muito impactante dá lugar a um suspense banal onde a protagonista não aceita que o cara com quem ela acaba tendo um caso seja um mulherengo safado que vá atrás de outras. E o gatilho final para a quebra da personagem é a confirmação de uma traição (sendo que ela já estava traindo em primeiro lugar), e não tudo o que estava se passando em sua cabeça após a viagem e antes da descoberta.
A mudança é tão abrupta que parece um casal de filmes que há tempos não conversam mas são obrigados a viver sob o mesmo teto. Uma justificativa possível (porém não tão plausível) seria o fato do roteiro tentar se aproximar mais da história real na qual o filme se inspira. Ora, não seria essa a magia do cinema, discorrer sobre fatos de forma subjetiva e sem obrigação de se prender aos fatos? Lamentavelmente, “Lucy in the Sky” está tão ancorado na realidade que até a reprodução da música Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, acontece sem alma alguma, numa sequência fraca tanto de motivação quanto esteticamente. Fosse tão importante utilizar a música que faz o título fazer sentido, melhor ideia seria colocá-la nos créditos finais.
Chris Hadfield, conhecido astronauta que também fazia vídeos para o YouTube mostrando o dia a dia do espaço, falou em uma aula que, em 21 anos de experiência no espaço, é seguro dizer que quanto mais você sabe, menos medo você sente de estar lá. O que é possível tirar disso é que Noah Hawley, em seu primeiro longa-metragem, parece ter tido medo de seguir a sua ideia inicial até o fim. Se isso partiu dele ou foi uma pressão do estúdio, dificilmente saberemos. Mas é certo que “Lucy in the Sky” tinha a receita perfeita para um filme dramático e profundo de sucesso. Infelizmente, muita expectativa para pouquíssima realidade.