Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 08 de abril de 2020

Pequenos Monstros (2019): zumbis + comédia + Lupita

Com quase tudo para ser mais um simples "terrir", "Pequenos Monstros" se destaca pela inesperada personagem de Lupita Nyong'o e pela dinâmica em torno dela.

Para uma obra que mescla comédia e terror, ou “terrir”, australiano e de escopo singelo, “Pequenos Monstros” chama atenção por escalar a oscarizada Lupita Nyong’o. Produzido entre grandes sucessos da atriz, como “Pantera Negra” e “Nós”, sua personagem na prática nem é a protagonista, porém é ela que leva o filme nas costas e justifica sua existência.

Lupita é a Miss, ou “tia”, Caroline, como chamam seus alunos de um jardim de infância. A querida professora sai em excursão com a turma para uma fazendinha, onde as coisas não dão muito certo. Para começar, ela leva como ajudante o chato e fracassado músico Dave (Alexander England), tio de uma das crianças, que está lá somente porque se interessou sexualmente por ela. Infelizmente, o roteiro trata Dave como o protagonista da história. Após um término amoroso, esta aventura de um dia é a chance do rapaz amadurecer, provar que tem responsabilidade e de quebra tentar conquistar Miss Caroline. Porém, tudo fica mais difícil no meio de um ataque zumbi.

Enquanto corpos comedores de carne fogem de um laboratório militar secreto em direção à fazendinha, Dave também se vê diante de seu verdadeiro antagonista: Teddy McGiggle, um famoso apresentador de programa infantil que, como ele, decide se engraçar para o lado da professora. Interpretado por Josh Gad, Teddy é na prática o contrário do conhecido outro personagem do ator, o Olaf de “Frozen”. Desbocado e asqueroso, a semi-celebridade é um péssimo exemplo de ser humano, oposto ao que se esperaria do seu papel de bem-sucedida personalidade da televisão. Com duas figuras masculinas de apelo questionável, surge então a oportunidade para Lupita brilhar com sua Miss Caroline.

Com seu lindo vestido amarelo e fortemente armada por sua inteligência e um ukulele, a professora é a melhor chance de proteção contra os inesperados zumbis, não só das crianças, mas também dois outros dois machos que agem como adolescentes. A atriz traz uma mistura de coração e empatia – o que se esperaria do clichê de uma professora de uma creche – mas também se mostra como uma destemida e habilidosa protetora que não espera ajuda de ninguém para realizar seu trabalho. É em Lupita e sua personagem que se concentram o marketing e o falatório em torno de “Pequenos Monstros”, se aproveitando também do reconhecimento internacional da atriz. No entanto, a insistência de Abe Forsythe (diretor e roteirista) em não dar o devido protagonismo à Miss Caroline, fazendo-a dividir a trama com personagens substancialmente inferiores, puxa o filme para a mediocridade de um “terrir” que não traz nada de novo além da dinâmica que ela introduz.

Apesar do gore esperado pelas cenas com zumbis, fica claro que o tom de “Pequenos Monstros” é bem mais leve que o da maioria das obras que misturam terror e comédia. Se não fosse pelo sangue, membros e ossos, seria uma clássica trama Sessão da Tarde apoiada na integridade imaculada da professora e suas protegidas crianças que não são deixadas ao lado pelo longa. Ao tentar inúmeras e divertidas maneiras de impedir que os pequenos percebam o real perigo dos zumbis, Dave e Caroline sustentam uma perspectiva pueril para a história. Tal característica se destaca, ao lado da personagem de Lupita e do aspecto despretensioso da produção, como ingredientes de um “midnight movie” assim como “Todo Mundo Quase Morto”, combatido apenas pela mediocridade presente no restante do filme.

William Sousa
@williamsousa

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