Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 06 de abril de 2020

La Casa de Papel – Parte 4 (Netflix, 2020): ação, emoção e enrolação

Em seu retorno, a série comprova ainda ser um entretenimento poderoso apesar das poucas mudanças no estilo e da esticada na história para além do necessário.

A parte 3 de “La Casa de Papel” terminou com um contra-ataque fulminante por parte dos oficiais espanhóis – chefiados pelo Coronel Tamayo e a impiedosa delegada Alicia Sierra -, que deixou Sérgio Marquina e os Dalis enfraquecidos. Vítima de um atentado, Nairóbi encontra-se entre a vida e a morte. O Professor se vê com cada vez menos controle sob seus planos e agora tem de lidar também com o psicológico abalado pela “morte” da amada Lisboa/Raquel. Enquanto isso, dentro do Banco da Espanha e aparentemente sem um norte, os Dalis colocam à prova a empatia da resistência ao executarem uma ação kamikaze que acaba culminando na explosão de um carro blindado, deixando vários oficiais feridos. Com tantas emoções e reviravoltas, “La Casa de Papel – Parte 4” vem com a missão de manter o ritmo pulsante de outras temporadas, apostando na identificação do público com a narrativa e seus personagens, a atmosfera de folhetim mexicano e o sentimento de que o jogo – ainda que próximo do fim -, nunca está ganho ou perdido.

No geral, “La Casa de Papel” é um fenômeno, e por mais que insista nos erros de sempre, merece seu status de entretenimento reconhecido. Não é uma série memorável, daquelas que provocam grandes discussões. Suas poucas tentativas de soar alinhada com a realidade se perdem em meio aos absurdos de sua narrativa e por isso acabam caricatas em demasia. “Empieza el matriarcado” (Parte 2) é sim uma frase poderosa e digna de estampar camisetas, mas o matriarcado mesmo dura muito pouco e nesse caso, quando o circo aperta, Nairóbi (Alba Flores) sai de cena e o maluco-abusador-carismático Berlin (Pedro Alonso) tem logo seu comando restituído. Nesta nova temporada, por exemplo, Arturito (Enrique Arce) tem suas atitudes tóxicas sufocadas pelas atribulações do assalto e por mais que estas sejam preocupantes não recebem a devida atenção. Porém, os equívocos da série perdem espaço para o entretenimento que é admirável e conduzido de maneira inteligente por caminhos que por diversas vezes reservam surpresas.

A continuação da saga dos atracadores não foge à regra. É mais uma aventura que surge para reafirmar as qualidades e os defeitos da produção. Continuando a narrativa logo após os acontecimentos finais da terceira parte, “LCDP4” cumpre bem a missão de retomar o ritmo bem como o interesse do público. Para isso, utiliza-se da tragédia que acometeu Nairóbi – a qual desestabilizou a banda e provocou comoção geral -, como o ponto de ignição perfeito. Zarpando de um começo avassalador e com o cerco apertando pra valer, a série insinua que o fim está próximo e se aproveita desse clima de reta final de campeonato para voltar suas atenções para o drama dos personagens, uma escolha que surte efeito graças ao tempo investido no estudo de cada um deles e da relação como fraternidade ao longo de quatro temporadas. Ao melhor estilo novelão mexicano, com a trilha sonora onipresente e a câmera procurando sempre um close lacrador ou uma pausa dramática que a sustente, a série investe pesado no emocional, aqui reforçado pelo estresse causado pelas horas de confinamento.

Após um golpe de estado apoiado pelos companheiros, a inconstante Tóquio (Ursula Corberó) assume o comando do plano e um Palermo (Rodrigo De la Serna) enfraquecido e inconformado, torna-se de imediato uma ameaça imprevisível. Denver (Jaime Lorente) e Estocolmo (Esther Acebo) entram num conflito familiar provocado por Arturito, enquanto Rio (Miguel Herrán) ainda traumatizado com a tortura sofrida no deserto busca alento nos braços da mulher do amigo. Por trás de suas faces de brutamontes, Helsinki (Darko Peric) e Bogotá (Hovik Keuchkerian) sofrem com a possível perda de Nairóbi. Embora funcione com quase todos, falta esperteza ao roteiro na hora de explorar o potencial dramático do Professor (Alvaro Morte). O sofrimento inicial com a “morte” do amor de sua vida não se justifica por ser de conhecimento geral que ela está viva e ainda assim a narrativa desperdiça tempo com essa questão. Para nossa sorte, ele continua sagaz e mesmo tendo que lidar com uma oponente a altura como a delegada Alícia (Najwa Nimri), segue com seu plano de fuga bem orquestrado e atraente.

Os flashbacks, que têm se revelado uma ferramenta recorrente do projeto, vão além de explicar os pormenores do roubo ao Banco da Espanha. Transitando de maneira orgânica e ágil entre passado e presente, representam uma saída eficiente para que o carismático e eloquente Berlin continue marcando presença depois de morto e possa presentear o público com cenas memoráveis, em especial àquela que protagoniza ao lado de Palermo, onde discutem o amor, já nos derradeiros episódios. Através deles também conhecemos uma nova personagem: Juanito que se transformou em Julia (Belén Cuesta). Quem não lembra daquela refém que a câmera frequentemente buscava? Pois bem, sua presença alimentou teorias (alguns disseram que era a viúva de Berlin, outros que iria salvar o assalto). Nenhuma delas fizeram jus a sua escalação. Primeira transexual a aparecer no universo “LCDP”, a personagem poderia render uma ótima discussão, no entanto, é rapidamente abafada pela abordagem rasa e sua participação descartável. Além disso, sua introdução na história perde ainda mais relevância, após surgir em meio a erro de continuidade grotesco.

Priorizando a emoção, a narrativa não esquece da ação e a executa com sucesso. Desde os planos mirabolantes e charmosos do Professor (o último ato em particular é digno do mágico David Copperfield), passando pelos avanços da polícia (que entra em rota de colisão após um pedaço do passado de Alícia vir a tona) até a guerra fria que se instala dentro do Banco devido a fuga de Gandía (José Manuel Poga), segurança com instintos assassinos que promete acabar com um Dalí por vez. Todas a movimentações são narradas por Tóquio, que se revela um ponto frágil no meio de tantos acontecimentos empolgantes. O voice over desfila monólogos fáceis com frases de efeito que não atingem seu ápice e servem apenas para exagerar no tom dramático da produção e a atuação da personagem na produção apenas faz com que o público não a leve a sério como líder nem como parte do bando, já que está sempre pronta para entrar em confronto com o Professor ou avançar individualmente. E quando tudo indicava que “La Casa de Papel – Parte 4” seria a última vez da série, a enrolação do roteiro vem provar o contrário.

Veredito

Equilibrada entre a emoção e a ação, “La Casa de Papel – Parte 4” mantém-se como excelente entretenimento graças a dinâmica entre suas figuras carismáticas, as trocas de diálogos risíveis e sinceros, o dramalhão latino atraente e pastelão, as constantes metáforas e por compreender, acima de tudo, que sua força está no exagero de suas ações. Contudo, não escapa de erros de continuidade, buracos no roteiro e uma esticada sentida no desenvolvimento que provoca questionamentos e certo incômodo na audiência. Entre erros e acertos, a narrativa segue sendo um passatempo divertidíssimo, mas que precisa saber a hora de dizer adeus antes que se transforme numa caricatura de si mesma.

Renato Caliman
@renato_caliman

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