Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de março de 2020

The Outsider (HBO, 1ª Temporada): agarrada à realidade

Evitando ao máximo o sobrenatural, a série atualiza o livro de Stephen King para uma linguagem que evita a mitologia em torno da misteriosa figura do vilão, respeitando o material original, ao mesmo tempo que entrega um conteúdo com identidade própria.

Lendas urbanas foram usadas até seu esgotamento em filmes e séries de terror entre o final da década de 1990 e o começo dos anos 2000. Isso fez com que a premissa fosse deixada de lado por algum tempo, uma vez que parecia não trazer mais novidades. Agora, a HBO decidiu aproveitar o ceticismo com uma crença popular presente em “The Outsider”, para uma nova produção que se sustenta mais nas incertezas do sobrenatural do que em uma figura mitológica.

Adaptando o romance homônimo de Stephen King, a série se inicia quando o corpo de um menino é encontrado abandonado em um parque, vítima de um brutal assassinato. Testemunhas e impressões digitais apontam para uma única pessoa: Terry Maitland (Jason Bateman), treinador da Liga Infantil de beisebol, professor de inglês, casado e pai de duas filhas. Com todas as provas em mãos, o detetive Ralph Anderson (Ben Mendelsohn) faz questão de prendê-lo de maneira pública, para que toda a cidade saiba quem é o principal suspeito do crime. Porém Maitland tem um álibi incontestável, e conforme a investigação se desenrola, estranhos eventos começam a fazer com que Anderson se questione se prendeu a pessoa certa.

Embora o elemento sobrenatural seja o centro de todo o conflito, a série opta por trabalhar a investigação sobre o crime, evitando ao máximo explicações “não racionais”. Assim como no livro, o detetive Anderson é quem fica responsável por manter esta narrativa cética, preferindo acreditar em provas materiais, mesmo que elas apontem para lados opostos. Mas, apesar de a HBO apostar neste tipo de narrativa, a série tem um começo mais apressado que o livro, criando o impasse que surge como conflito secundário e envolvendo mais a Glory Maitland (Julianne Nicholson), esposa de Terry.

Enquanto isso, uma presença sombria aparece eventualmente como o estrangeiro, não apenas da cidade onde o crime aconteceu, mas para qualquer outra pessoa que o encara. Sua presença e a sugestão do que ela influencia são os únicos elementos sobrenaturais que a série oferece durante toda a primeira metade. Com isso, espera-se que quando acontece a virada, o público não sinta tanto a transição para o “inexplicável”. Porém, mesmo nestes momentos há um cuidado para que o ceticismo do detetive Anderson esteja presente. Ao mesmo tempo, a própria criatura é, de certo modo, racionalizada por Holly Gibney* (Cynthia Erivo).

E é Holly quem se envolve com a crença em algo que não pode ser explicado racionalmente. Ela assume o papel de Fox Mulder (“Arquivo X”), como aquela que precisa provar que a solução para o mistério só poderá ser explicada caso todos os demais envolvidos acreditem. Isso consegue prolongar a participação de Glory na trama, uma vez que no livro a personagem — e seu conflito pessoal — é deixada de lado conforme as páginas avançam. A HBO conseguiu dar mais peso para ela, valorizando todo o trauma que ela precisa enfrentar sozinha.

Seguindo o estilo da emissora, há um padrão que se mantém do primeiro ao último episódio, mostrando um trabalho de desenvolvimento de roteiro linear. Os episódios seguem a mesma estética — da fotografia à trilha sonora —, com variações na direção, seja para dar mais destaque à investigação ou para o suspense. O ponto fora da curva se concentra no episódio cinco (Tear-Drinker), que tem a função de introduzir um novo conflito no núcleo principal através de Jack Hoskins (Marc Menchaca). A personagem surge como um vilão secundário com poucas camadas, mas fundamental para desviar o rumo da trama. O episódio ainda deveria ser o que mais dialogaria com o terror, porém, a direção do novato Igor Martinovic se perde em momentos chaves, deixando a narrativa arrastada e cansativa.

E, apesar das diferenças, é possível notar os elementos que Stephen King costuma utilizar em seus livros. O terror lovecraftiano é constante, desde o fato do vilão ser um forasteiro, até o seu visual difícil de definir. Há ainda um diálogo próximo com narrativas como “Além da Imaginação”, mais evidente no conflito enfrentado pelo detetive Anderson. A série ainda cria um conflito pessoal para ele, com seu filho já morto e tendo importância vital para que ele aceite avançar no que está além da realidade e não pode ser explicado racionalmente. O uso desses elementos reforçam que, mesmo quando a série busca seguir um rumo independente, ela sempre respeita a criação de King.

“The Outsider” é uma opção para quem buscar por uma série investigativa com elementos sobrenaturais, mas sem abrir mão da realidade. Até mesmo quando Holly vai atrás das origens do principal vilão, ela procura por evidências reais e palpáveis, e apenas quando não há mais onde se agarrar, a trama avança no que está além do conhecimento humano — mas que habita crenças populares e lendas urbanas. O resultado é satisfatório e, apesar das mudanças, a história sempre caminha próxima das páginas do livro de Stephen King, o que deve deixar os fãs satisfeitos. As mudanças, além de deixar a narrativa mais atualizada, oferecem uma abordagem com algumas variações, algo sempre positivo em obras adaptadas.  

*Holly Gibney foi criada por Stephen King para o livro “Mr. Mercedes”, que também teve uma adaptação. Em “The Outsider” a personagem teve uma origem diferente, pois as séries foram produzidas por emissoras diferentes e não se passam no mesmo universo.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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