Longa do diretor Terrence Malick é uma bela ode aqueles que tiveram a coragem de seguir seus princípios mesmo em um momento de guerra, mas que acaba por se tornar cansativo durante suas três horas de duração.
No linguajar cinematográfico, o termo “cinema de autor” é utilizado para definir filmes que são fortemente marcados pela pessoalidade de seus diretores, seja em estilo, seja em tema. É a violência gráfica de Quentin Tarantino; a cor vermelha constante de Pedro Almodóvar; a simetria de Wes Anderson. Todas essas peculiaridades fazem com que suas obras sejam singulares e facilmente reconhecíveis. Em “Uma Vida Oculta”, Terrence Malick apresenta um longa repleto dessas especificidades que estão presentes em toda a sua pequena filmografia (somente dez produções em quatro décadas). Assim, elas fazem com que seu trabalho se encaixe na classificação de “cinema de autor”, sendo aqui, empregadas para contar a trajetória real de Franz Jägerstätter (August Diehl), um camponês austríaco que, durante a Segunda Guerra Mundial, é preso por se recusar a jurar lealdade a Hitler.
Entre as singularidades que tornam um filme tipicamente malickiano, a forma como ele é filmado é o que mais se ressalta. O uso do plano contra-plongée e, especialmente, os close-ups nos personagens criam uma atmosfera notavelmente intimista, cujas mãos, braços, pernas e pescoços se tornam tão reconhecíveis e memoráveis quanto seus rostos e expressões. A impressão que fica é a de não somente estar assistindo a Franz, a sua esposa Franziska (Valerie Pachner) e a sua família e amigos lidarem com a situação devastadora em que se encontram, mas, sim, de conhecê-los, como se fôssemos, também, parte dessa história.
Além disso, as longas tomadas da paisagem, quando a câmera passeia pelos morros de grama do campo, pelas plantações e pelos estábulos, trazem para o ambiente um bucolismo que dificilmente pode ser encontrado em obras que retratam a Segunda Guerra Mundial, (destaque para Jorg Widmer, incumbido da direção de fotografia), fazendo com que a experiência de imersão seja ainda mais profunda. E, no momento que essas imagens se entrelaçam com a belíssima trilha de James Newton Howard, a trama se desvencilha do caráter épico que poderia ter, ganhando uma natureza simples e afetiva.
Tal estilo compactua para construir uma narrativa que é uma ode aqueles que não são reconhecidos como grandes salvadores de uma pátria ou como heróis de guerra, que viviam uma vida cotidiana e modesta (lê-se: uma vida oculta), mas tiveram a coragem de se posicionar diante de circunstâncias brutais, realizando pequenos atos individuais que, mesmo desconhecidos, são tão importantes quanto os que entram para a história. E os protagonistas do filme são essas pessoas. Ele, mesmo sabendo que sua escolha teria consequências corrosivas para si e sua família, decide seguir seus princípios e não ir contra aquilo que acredita; já ela, mesmo sabendo que teria que lidar sozinha com uma casa e três filhas, apoia a decisão do marido por acreditar nesses mesmos princípios. Desse modo, os dois, mesmo de forma anônima, passam a fazer parte da história.
A força dos dois, aliás, é colocada no roteiro, também assinado pelo cineasta, de maneira primorosa. Os diálogos, caracteristicamente shakespearianos, enchem o longa de uma teatralidade inusitada, além de possuir uma potência e uma sensibilidade que fazem todas as palavras saídas dos personagens transbordarem significado e sentimento. Sentimento esse que é ainda mais evidenciado pela opção do diretor de externalizar os diálogos na forma de voice-over, que colocados junto às belas imagens captadas por Jorg Widmer ampliam o traço intimista que perdura ao longo de todo o filme. August Diehl e Valerie Pachner conseguem dissecar, entender e manifestar essas falas com plenitude, encarnando duas figuras que se mantêm repletos de ímpeto e beleza apesar de passarem por um momento de dor indescritível.
Porém, mesmo com uma fotografia invejável, um ótimo roteiro e belíssimas atuações, a admiração por tais qualidades vai se transformando em cansaço quando a mesma fórmula é repetida durante as três – longas – horas da produção. Cena após cena, são mostradas praticamente as mesmas imagens, com a mesma música e o mesmo tipo de texto. E, a despeito de serem extremamente bem executadas, suas repetições incontáveis vezes não são capazes de se sustentarem, levando a exaustão a tomar conta de quem está assistindo e a tarefa de chegar aos minutos finais bastante árdua.
Mas, apesar de problemas com a duração, Terrence Malick entrega um filme que se sobressai ao não retratar o conflito ou seu impacto em grande escala como protagonista da narrativa. A escolha é contar as histórias de vidas cujos nomes foram esquecidos, sofreram e ainda assim tiveram a temeridade de enfrentá-lo, colocando suas convicções em primeiro lugar.