Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Sonic – O Filme (2020): carisma e coração sustentam a adaptação

Após uma ousada modificação nos planos, a chegada do personagem Sonic ao mundo do cinema não tem o tamanho de um grande evento, mas consegue entregar diversão para o público.

A indústria dos games é um verdadeiro blockbuster. Na década de 2010, jogos tiveram um faturamento muito maior que o cinema e a música juntos. No entanto, isso não impede que alguns produtos de sucesso nos jogos não deem uma beliscada no filé dos filmes. É exatamente o caso de “Sonic – O Filme”, primeira adaptação do ouriço azul super corredor, personagem criado nos anos 1990 para alavancar a desenvolvedora japonesa Sega.

Com lançamento planejado para poucos meses após o irmão bem-sucedido “Pokémon: Detetive Pikachu”, a produção tomou uma decisão arriscada de adiar a data para melhorar a animação após críticas negativas sobre o que foi apresentado no primeiro trailer. Contra muitas expectativas, tal estratégia até deu bastante certo apesar do aumento no orçamento do filme. Trata-se de uma aventura pouco a ver com os mundos cheios de loops e molas dos games, mas com muito coração em sua história. Nela, um jovem Sonic perseguido por ter poderes precisa deixar seu planeta original. Para a fuga ele carrega anéis capazes de abrir portais para qualquer lugar, mas o pequeno resolve crescer escondido na pacata cidade de Green Hills, nos Estados Unidos.

É curiosa a decisão da adaptação em criar um personagem adulto para liderar o filme ao lado de Sonic, pois ele representa justamente a idade dos jogadores que cresceram jogando Sonic na década de 1990. Tom Wachowski (James Marsden) é o xerife da cidade. Ele tem ambições de se mudar com a esposa para São Francisco, onde talvez possa mostrar seu valor já que nada acontece em Green Hills. Por sua vez, o sentimento que move o exilado e hiperativo Sonic é seu medo de ficar solitário para sempre. Ele passa os seus dias brincando consigo mesmo e observando os habitantes da cidade sem que seja descoberto. No entanto, por um incidente Sonic se torna alvo do louco e poderoso cientista Dr. Robotnik (Jim Carrey) e precisa da ajuda de Tom para escapar.

Repleto de propagandas e referências à cultura pop, a história apresenta um escopo bem menor que, por comparação inevitável, “Detetive Pikachu”. Sonic e Tom só precisam recuperar os anéis/portais numa jornada enquanto fogem das garras (e drones) de Robotnik. A simplicidade da trama permite aproveitar o ritmo para entreter e criar simpatia com o público. É neste aspecto que estão o melhor e o pior da produção. Começando pelo último, não há muita criatividade nas cenas. Em certo momento, a obra parece ir na direção de um remake de “E.T.”, em outro, de “Antes de Partir”. Para brincar com a super velocidade de Sonic, repetiram o que já foi feito com Mercúrio em “X-Men – Dias de um Futuro Esquecido” só que com um vigésimo do cuidado visual. Não há nada de errado em buscar inspirações em outros filmes, mas fica uma sensação de falta de originalidade, especialmente por apresentarem algo mais simples. Sob esta perspectiva, o concorrente baseado nos jogos da Nintendo foi muito mais ambicioso, por exemplo.

Do lado inesperadamente positivo, apesar da inserção do Sonic animado no mundo real não ser visualmente impressionante no tocante ao estado da arte, a parceria com James Marsden é de uma humanidade tremenda. A relação de amizade entre os dois é totalmente crível e até emocionante ao fim da história. Ajuda ainda o tom equilibrado das piadas infantis e a carta branca dada a Jim Carrey para basicamente fazer o que ele sabe de melhor para criar seu vilão caricato. O resultado é irregular e pode não apresentar um design extraordinário, mas graças a esses ingredientes, a alma e o coração estão num lugar bom neste filme.

Pouco ambicioso, “Sonic – O Filme” tenta jogar com segurança diversos elementos para agradar um público diverso – de crianças e saudosos adultos -, com o possível objetivo de pelo menos garantir a recuperação do investimento, afinal, grandes produções de cinema hoje em dia estão mais próximas de um algoritmo de marketing do que da mente criativa e original de realizadores. A ótima notícia é que o filme consegue mais do que aparentemente almeja e deixa aberta a oportunidade de uma sequência melhor. Como propriedade da Sega, detalhes do universo dos jogos estão presentes, como a trilha, ataques clássicos e outras referências mais sutis. Trata-se dessa forma de mais uma obra, de um conjunto bem pequeno, a ser considerada uma boa adaptação de game.

William Sousa
@williamsousa

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