Mesmo com grandes nomes no elenco e tendo bons efeitos visuais, esta nova reimaginação do clássico infantil de Hugh Lofting desaponta ao apresentar um roteiro raso conduzido pela direção de maneira caótica.
É fato público e notório que a vida e a carreira de Robert Downey Jr. são repletas de altos e baixos. Considerado pela imprensa nos anos oitenta como um dos melhores atores de sua geração, o astro viu sua fama e prestígio naufragarem em um oceano de manchetes sobre sua prisão por porte de drogas. Superada a má fase, o ator enfim encontrou redenção ao encarnar o icônico Tony Stark, seu alter ego no MCU. Após onze anos interpretando o personagem que o consagrou era presumível que o novo queridinho de Hollywood optasse somente por papéis que lhe permitissem brilhar, consolidando ainda mais sua filmografia. Infelizmente, ao protagonizar “Dolittle”, remake baseado na obra do escritor britânico Hugh Lofting, dirigido e co-roteirizado por Stephen Gaghan (“Ouro”), o ator avança em uma direção contrária, desperdiçando seu talento em uma produção desleixada e inconsistente.
Na trama, após o falecimento de sua esposa, o excêntrico médico e veterinário Dr. John Dolittle (Downey Jr.) se isola da humanidade em sua mansão repleta de animais exóticos. Porém, quando a jovem Rainha Vitória (Jessie Buckley) subitamente adoece, o relutante homem é forçado a embarcar em uma aventura rumo a uma misteriosa ilha em busca da cura. Ao longo da jornada o ilustre doutor terá a companhia de seu jovem autointitulado aprendiz, Tommy Stubbins (Harry Collett) e a de seus leais amigos, o gorila medroso Chee-Chee (Rami Malek), a pata encrenqueira Dab-Dab (Octavia Spencer), o avestruz mal-humorado Plimpton (Kumail Nanjiani), o urso polar friorento Yoshi (John Cena) e a papagaia conselheira Poly (Emma Thompson).
Pouco inspirado, o roteiro é repleto de facilitações narrativas que priorizam a progressão da história em detrimento da coerência do que já havia sido estabelecido. Personagens como o esquilo Kevin (Craig Robinson) e o pseudo-vilão Rei Rassouli (Antonio Banderas), por exemplo, abrem mão de seus desejos de vingança e passam, inclusive, a colaborar com aqueles que minutos atrás estavam dispostos a punir. Outro fator que ajuda a evidenciar a precariedade do texto é a infinidade de piadas deslocadas que, ao invés de fazerem rir, geram apenas constrangimento. Há uma sequência decisiva envolvendo a colonoscopia de um dragão que, de tão absurda, suscita o questionamento de como Stephen Gaghan, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por “Traffic”, veio parar em um longa-metragem infantil, escrevendo sobre a desobstrução do orifício retal de uma criatura lendária.
Como diretor, ele também se mostra inapto diante da tarefa de atribuir algum sentido minimamente plausível que justifique a existência dessa nova adaptação. Na tentativa de arrumá-la durante a pós-produção, o cineasta opta inúmeras vezes por realizar enquadramentos que escondem propositalmente a face do protagonista com o provável intuito de inserir diálogos que não estavam previstos originalmente no script. Assim, deixa nítido que nem mesmo o idealizador tinha plena noção da história que estava sendo contada.
Mesmo com grandes nomes no elenco, há um mal aproveitamento de seus talentos. Robert Downey Jr. entrega uma performance caricata, cheia de trejeitos e maneirismos que vagamente remete a um certo pirata interpretado por Johnny Depp na franquia “Piratas do Caribe”, mas sem o mesmo carisma. Em meio a grunhidos e sussurros inaudíveis, Antonio Banderas compõe um dos piores personagem de toda a sua carreira, deixando até mesmo transparecer seu constrangimento em cena. Entre os intérpretes das vozes dos bichos, Emma Thompson é, certamente, o maior destaque positivo, cabendo a ela o importante papel de mestre sábia que guia o improvável e destemido herói ao longo de sua jornada.
Prejudicado por uma má condução, “Dolittle” desperdiça todo o seu potencial ao se segurar unicamente no fato de ter como protagonista um dos atores mais populares de Hollywood, além é claro de exibir animais falantes feitos em CGI. Inconsistente do início ao fim, a obra ainda assim consegue oferecer uma boa dose de diversão inofensiva, capaz de entreter por um certo tempo crianças pequenas e adultos menos exigentes. Contudo, é provável que nem mesmo o talento e carisma de Robert Downey Jr. poderá salvar esse fiasco cinematográfico de cair na vala comum do esquecimento. Quanto ao ator, resta apenas a torcida para que se recomponha e que, de agora em diante, evite associar seu nome a projetos tão desnecessários quanto esse malfadado remake.