Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 29 de fevereiro de 2020

The Marvelous Mrs. Maisel (Prime Video, 3ª Temporada): perrengues e deleites da emancipação

Mesmo sendo a temporada mais irregular, a série continua excelente. Rica em contexto e com diálogos ferozes, continua sendo uma das melhores obras produzidas para a Amazon no início de sua vida.

A terceira temporada de “The Marvelous Mrs. Maisel” pega o season finale da anterior e o joga na cara do espectador. Ele agora pode assistir a Midge (Rachel Brosnahan) viajando com o famoso cantor Shy Baldwin (Leroy McClain) para abrir seus shows e, assim, ganhar reconhecimento no mundo da comédia stand-up e um bom fluxo de dinheiro para ela e sua agente Susie (Alex Borstein). Esta última igualmente procura se estabelecer na nova carreira.

O fato de a protagonista estar fazendo turnê pelos Estados Unidos (com a promessa de uma perna europeia ao final da temporada) é a desculpa perfeita para que a série a retire do cenário de Nova York, evitando não só uma possível fadiga quanto à ambientação como também explorando novos locais com o mesmo louvor feito com Paris em dois episódios prévios. As aventuras da comediante e da sua empresária por Las Vegas e Flórida rendem momentos verdadeiramente especiais, tirando proveito dos maravilhosos diálogos velozes – e por vezes, furiosos – para permear conflitos e subtramas.

Em sua primeira metade, a narrativa ameaça deixar a peteca cair ao trazer elementos reciclados do início do seriado, passando a desagradável sensação de enrolação e de que alguns personagens podem acabar dando passos para trás em seu desenvolvimento. Por mais que praticamente tudo se salve conforme as tramas se desenrolem, fica um pequeno gosto amargo na boca de que a alta qualidade sempre apresentada pode, enfim, estar em decadência. Entretanto, a partir do quinto episódio, o acelerador é acionado e cada uma das inúmeras subtramas são encaminhadas para caminhos razoáveis e bem construídos narrativamente. O carinho que criamos pelas personagens auxilia na criação de uma crescente tensão quando elas precisam encarar novos desafios, o que aumenta tanto a satisfação de ver algo dando certo quanto a genuína tristeza no instante em que um tiro sai pela culatra.

Rachel Brosnahan continua perfeita no papel da protagonista, entregando uma energia contagiante durante as apresentações num palco ou quando está lidando com suas dificuldades maternas ( como mãe e como filha). Seu talento é ainda mais abrilhantado por contracenar com Alex Borstein, que teve o material mais rico para sua personagem até então. Susie passa por um crescimento notável, levando a atriz a explorar várias novas camadas com tamanho êxito que, ao fim do último episódio, a vontade de abraçá-la é inevitável.

A série permanece um deleite em sua ambientação. Algumas tomadas mais longas são feitas (chegando ao ponto de vermos Leroy interpretar músicas completas enquanto a câmera passeia pelo palco), ao mesmo tempo que a construção de cenários absolutamente belos e ricos, como a luxuosa Las Vegas da época aumenta a satisfação do espectador. Tal prazer segue nas cenas que fogem do comum, como uma longa sequência em ritmo de videoclipe na qual as protagonistas conversam com frases formadas por uma única palavra.

Vale destacar também o bom uso dos coadjuvantes, como as  aparições pontuais de Lenny Bruce (Luke Kirby), trazendo importantes elementos narrativos para a jornada de Midge e fazendo a tela transbordar com carisma quando contracena com a protagonista, numa grande aula de química; a bem-vinda adição de Sterling K. Brown, ilustrando um lado cômico do ator que poucos conheciam (mas muitos irão amar) e apresentando a dura realidade da vida de agente de estrelas de entretenimento e de longas turnês; e a presença fantástica de Jane Lynch como a comediante cheia de soberba Sophie Lennon vai além do humor e se mostra um significativo passo no arco narrativo de Susie.

É importante também notar a relação de Midge com seus pais, ambos ainda revoltados pelas decisões da filha, porém definitivamente influenciados por ela  para buscarem buscarem independência e satisfação pessoal, numa dose própria de rebeldia. Acompanhar esses trajetos psicológicos cheios de obstáculos impostos por expectativas sociais – muitas delas ainda seguidas por conta das crenças dos próprios envolvidos -, é prova da excelência e profundidade de um texto que consegue ser cômico sem nunca ser raso.

“The Marvelous Mrs. Maisel” tem sua temporada mais inconstante até então, contudo continua mantendo o alto nível de qualidade. A maneira com que a série consegue lidar com a grande quantidade de tramas e subtramas de forma satisfatória é algo que impressiona por si só, mas acrescentar a isso atrizes fenomenais, diálogos sagazes, comentários sociais, ambientação magnífica, cenas marcantes e arcos narrativos bem desenvolvidos a torna uma das melhores obras audiovisuais produzidas na década de 2010.

Bruno Passos
@passosnerds

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