Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de fevereiro de 2020

O Pintassilgo (2019): sobre arte, sem ser artístico

A produção tem conhecimento do potencial do romance, mas não teve coragem para ajustar a adaptação para as telas. Com montagem insegura e excesso de duração, o filme pode ser entediante até para quem aprecia a obra original.

O longa é uma adaptação do livro homônimo “O Pintassilgo”, um romance da autora norte-americana Donna Tartt. A obra ganhou o prêmio Pulitzer em 2014, tendo uma trama que se norteia pelo quadro “O Pintassilgo“, de 1654, do artista Carel Fabritius. Isso, por si só, fez a Warner Bros. crescer os olhos e lançar o filme justamente na temporada de possíveis indicações ao Oscar. Contudo, apoiar-se nesse sucesso e escalar um elenco de peso não é o suficiente para ganhar notoriedade. O diretor John Crowley (“Brooklyn”) gasta muito tempo da projeção com flashbacks redundantes e acaba ignorando personagens interessantes como o interpretado por Nicole Kidman. Por fim, termina sendo esquecido tanto nas bilheterias quanto nas premiações.

O ponto de partida da trama é de um atentado terrorista no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Esse acontecimento impacta para sempre a vida do jovem Theodore Decker (Oakes Fegley). Sua mãe falece na hora, então ele é incentivado por um desconhecido a levar consigo um quadro lá exposto, “O Pintassilgo“, além de um anel com o brasão de sua família. A princípio, a criança reluta, mas pega os objetos antes do socorro chegar. Nos dias seguintes, ele vai morar com a sra. Barbour (Nicole Kidman). No instante em que pesquisa sobre o brasão, conhece Hobie (Jeffrey Wright), um vendedor de antiguidades que se tornou tutor de Pippa (Aimee Laurence), filha do homem desconhecido que também estava no museu no momento do atentado. 

Dessa maneira, estão estabelecido os vínculos entre os personagens e o primeiro ato do filme. O início cativa por causa dos efeitos da tragédia e pelo ótimo elenco, composto por atores veteranos que dão suporte para o jovem Oakes Fegley mostrar que tem futuro na indústria do cinema. O segundo ato se inicia com a versão adulta de Theodore, interpretado pelo excelente Ansel Elgort. Enquanto o drama dele quando criança é encontrar o seu lugar no mundo, sua versão crescida sabe muito bem o que quer: trabalha no antiquário de Hobie e está prestes a se casar com uma garota, embora ainda guarde sentimentos por Pippa.

O filme se complica justamente do segundo ato em diante com as alternâncias de tempo e falta de continuidade. Embora renda momentos engraçados, quase toda a relação de Theodore com Boris, um imigrante ucraniano, foge do tom pré-estabelecido e poderia ser mais resumido. Porém, esses momentos dão estofo para o reencontro com Boris já adulto. É através dessa relação que o roteiro tenta criar um suspense em cima da pintura do pintassilgo, algo inexistente no livro. Tal artifício não consegue instigar e quando revelado não provoca sentimentos por não ter sido trabalhado anteriormente. Por ironia, as melhores passagens da narrativa são aquelas que não se levam a sério.

É mais uma adaptação mal ajustada de um diretor que não soube extrair o potencial de cada setor da produção. Essa situação fica gritante ao lembramos que o diretor de fotografia é ninguém menos que Roger Deakins. Com tantos nomes de peso e uma obra aclamada, era para “O Pintassilgo” ser no mínimo um trabalho marcante, só que acaba sendo enfadonho e esquecível, ao contrário da pintura de Carel Fabritius. 

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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