Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 06 de fevereiro de 2020

Taylor Swift: Miss Americana (2020): fama, anonimato e empatia

O que existe no íntimo de um dos maiores nomes da música contemporânea? Essa pergunte poderia resumir com simplicidade e elegância o novo documentário de Lana Wilson, que vai muito além da fama conquistada por Taylor Swift, para nos apresentar um mundo que poucos enxergam, apesar de ser bem conhecido.

Os holofotes da fama são experientes em ofuscar a visão que os fãs criam sobre suas celebridades favoritas. Seja na música, no cinema ou na televisão, a fama pode criar uma imagem poderosa — para o bem e para o mal —, mas que raramente corresponde à realidade. É, de certo modo, sobre isso que “Taylor Swift: Miss Americana” trata: uma desconstrução/reconstrução semiótica dos inúmeros filtros que afastam os ídolos dos seus fãs.

E o epicentro deste conflito é Taylor Swift, apresentada com um olhar muito empático, como pode ser notado logo na primeira cena. Enquanto a cantora é mostrada tocando seu piano, o gato de estimação passeia pelo teclado, criando uma imagem muito diferente da visão de um ícone do pop, sem extravagâncias ou festas badaladas. Pelo contrário, a reconstrução da carreira de Swift é feita através de momentos muito mais íntimos (mas nunca invasivos), ao lado de amigos, da família, ou apenas sozinha. E, para poder dar início a esta narrativa, a diretora Lana Wilson (do documentário “The Departure”) registra a cantora lendo e comentando alguns diários de infância, mostrando a trajetória onde sonho e realidade se misturam.

E parte do sucesso narrativo aqui se deve ao acesso privilegiado que Wilson teve, a uma enorme quantidade de imagens de arquivos pessoais. Do primeiro violão, ainda quando criança, passando pelas primeiras apresentações, até quando Swift começa a migrar do country para o pop, depois de já ser um nome conhecido na indústria musical. Mas o acervo vai além de mostrar uma trajetória de sucesso. Ele assume uma função narrativa fundamental, uma vez que o objetivo é contar a história de um dos maiores ícones da música no século 21, a partir de histórias pessoais e pouco conhecidas.

E, enquanto segue por este caminho, a diretora permite que o público conheça uma voz mais política de Swift, que passa por vários percursos enquanto amadurece, tanto no campo da música quanto na vida pessoal. É uma trajetória na qual o documentário precisa oscilar entre presente e passado várias vezes, para mostrar como a cantora enfrentou alguns traumas pessoais e como se libertou de alguns preconceitos. O movimento mais simbólico — e evidente — neste sentido, é quando Swift decide se manifestar sobre as eleições de meio de mandato, em 2018. Ela resgata outro caso semelhante, mostrando como é difícil para mulheres, especialmente na música country, apresentarem uma voz crítica ao conservadorismo. A partir deste ponto — e se vendo obrigada a conquistar, diante da família e dos empresários, o direito de poder falar sobre o que quiser — a cantora reconhece a importância de usar seus privilégios para se manifestar em assuntos que ultrapassam a barreira da música.

Assim, o documentário aproveita para que a cantora possa falar diretamente com o público, mesmo para aqueles que não acompanham sua carreira, sobre temas que lhe parecem importantes. Ela discute a aparência física que a indústria obriga as mulheres a possuírem, as dificuldades de lidar com as cobranças da mídia e a solidão que a fama pode trazer. Mas talvez o momento mais impactante seja quando o documentário recupera um caso envolvendo assédio e que a cantora venceu nos tribunais, para questionar o peso que um julgamento pode ter na vida de uma mulher, vítima de algum abuso. O caso é apresentado como superado de modo poético com a cantora fazendo um importante discurso enquanto toca Long Live.

No final, a sensação que fica é que Taylor Swift serve como uma guia para contar uma história que poderia ser de tantas outras mulheres. Ela passou a vida inteira sendo treinada para atender expectativas, para sorrir quando recebesse elogios e para não se envolver no mundo que não lhe pertence, dos chamados “homens sérios”. E, apesar de ter uma longa carreira de sucesso, ainda precisa se provar constantemente e não pode se permitir errar. Isso faz de “Taylor Swift: Miss Americana” um documentário importante e necessário, que ultrapassa a barreira da admiração pela artista, e constrói uma necessária empatia pela pessoa, algo tão raro em nossos tempos.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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