Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Sex Education (Netflix, 2ª Temporada): novos rumos e corações partidos

Série retorna com um horizonte de novas descobertas a ser explorado pelos adolescentes despreparados e cheios de dúvidas do colégio Moordale.

Em sua primeira temporada, “Sex Education” revelou que era possível falar sobre sexo de maneira espontânea e sem constrangimentos ao trazer no centro de sua narrativa a trama de um adolescente nerd, que usa a seu favor o fato da mãe ser uma experiente terapeuta sexual, para montar uma clínica clandestina num banheiro abandonado de sua escola e lá distribuir os mais variados tipos de conselhos sexuais para seus desesperados colegas, que assim como ele estão no auge da adolescência. Responsável direto por salvar a vida de um aluno desiludido com o amor não-correspondido, Otis (Asa Butterfield) terminou a série também frustrado, mas levou como prêmio de consolação o status de guru do sexo de uma galera com os hormônios em polvorosa. Mas será que é dele de direito essa honraria?

O segundo ano volta para mostrar o óbvio: que Otis sabe bem menos do que imagina. Além de questionar as habilidades dele e de sua mãe Jean (Gillian Anderson), a criadora Laurie Nunn expande o leque de dramas e, dando continuidade à sua abordagem de realismo genuíno, convida novamente o espectador a entender um pouco mais sobre os prazeres e os desencantos da vida. Quando Maeve (Emma Mackey) retorna à escola, Otis logo propõe a retomada das operações da clínica, mas o que ele não contava era que a chegada de Jean – após esta ser convocada pela direção do colégio a identificar as necessidades de um novo currículo de educação sexual -, também representaria a entrada de uma concorrência melhor preparada que promete atrapalhar os planos da dupla e movimentar os estudantes de Moordale.

Mesmo deixando escancarado o protagonismo de Otis, sua dificuldade em se assumir para Maeve (lembrando que está namorando Ola) e a relação conturbada com a mãe (que dessa vez sobe o nível e gera conflitos ainda mais corrosivos, especialmente após a chegada reveladora do pai, interpretado pelo ator James Purefoy), essa é apenas a ponta de um iceberg de tamanho descomunal. Um dos grandes méritos de “Sex Education” reside na sua habilidade em explorar honestamente um elenco composto por figuras heterogêneas (negros, gays, héteros, assexuais, bissexuais, nerds, deficientes, adultos e viciados) e suas aflições, conferindo a elas espaço para que possam externar seus medos, defeitos, qualidades e ambições por meio de diálogos profundos e acolhedores.

Você pode afirmar que isso já foi feito anteriormente, mas o diferencial desta fase é a escolha por investir num estudo mais profundo sobre cada narrativa. O futuro caso amoroso entre Maeve e Otis e as funções da clínica são colocados em stand-by em detrimento dos problemas familiares para os quais devem se atentar no momento. Enquanto isso, Eric (Ncuti Gatwa) acaba se envolvendo com Rahim (Sami Outalbali), um aluno novo que chega despertando a curiosidade da galera ao mesmo tempo em que tem que lidar com o retorno de Adam (Connor Swindells), este que segue a procura de algo que lhe satisfaça de verdade. Ola (Patricia Allison), é despida de toda a confiança e atitude que tinha ao começar a se questionar sobre seus interesses e o relacionamento com Otis. E dessa forma, o espectador é pego por uma narrativa mais atraente do que a outra, e todas igualmente importantes.

E se uma série fabricada nos moldes do gênero teen tende a cair facilmente na armadilha de soar bobinha ou escapista demais em meio a tantos jovens inexperientes inseridos numa trama sobre puberdade, esta foge à regra e percorre com naturalidade o caminho contrário. Se abre a questões mais críticas e às discute sem metralhar sermões. Com clareza e sensibilidade, oferece uma visão singular acerca de ocorrências como, por exemplo, o vício em drogas que permeia um fragmento da trajetória de Maeve, e a experiência traumática sofrida por Aimee Gibbs (Aimee Lou Wood), que aos poucos vai compreendendo a gravidade da ação e, com o auxílio de suas amigas, luta para superar as consequências do choque ao qual foi submetida, o que resulta num dos episódios mais belos e emotivos de toda a nova temporada.

Veredito

Depois de seus incríveis oito episódios, é notável a evolução da narrativa de “Sex Education”, que reafirma sua imprescindível existência não só para os jovens como também para os espectadores mais velhos. Iluminada por um elenco carismático e agora mais experiente, uma trilha sonora empolgante, muita diversidade e uma combinação harmônica entre sobriedade e divertimento, esta série original da Netflix configura o complexo de maneira simples e mostra que Otis, Maeve, Eric, Adam e cia. ainda tem muito que viver e uma porrada de histórias para contar.

Renato Caliman
@renato_caliman

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