A história da tragédia do submarino russo K-141 é contada através da ótica mais importante: a vida das pessoas negligenciadas pelas autoridades russas, que finalmente ganham relevância ao serem eternizadas neste longa de Thomas Vinterberg.
Histórias são contadas por diversas razões. Além de entreter, o cinema também é capaz de encapsular fragmentos históricos e conectar audiências com o que vai além de uma manchete ou um simples artigo na Wikipedia. “Kursk – A Última Missão” vai no coração de uma tragédia real que ocorreu em Agosto de 2000 envolvendo o submarino russo K-141, deixando 118 famílias em luto.
O diretor dinamarquês Thomas Vinterberg, baseando-se no livro de Robert Moore, “A Time to Die”, se propõe a dar voz a poderosa história dos 118 marinheiros que partem para uma missão de teste de mísseis nucleares a bordo do submarino Kursk. Trabalhando em condições precárias e sem preparo, a tripulação sofre com a negligência de seus superiores, que acarretou na explosão dos mísseis, vitimando quase todos a bordo. Enquanto os 23 sobreviventes lutam para se manterem vivos até o resgate, em terra suas famílias lutam por respostas, pressionando as autoridades que se recusam a revelar informações importantes para proteger interesses próprios. Com equipamentos sucateados, a alternativa óbvia é aceitar ajuda internacional para resgatar os marinheiros remanescentes e, liderando os britânicos, o Comodoro David Russel (Colin Firth) tenta vencer a exacerbada burocracia dos russos.
Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts) assume a liderança dos sobreviventes, determinado a salvar seus “irmãos” e retornar à companhia de sua família. A dinâmica do personagem com Oleg (Magnus Millang) enriquece a trama: enquanto um utiliza sua experiência e resistência para inspirar o grupo e resolver os problemas técnicos que enfrentam, o outro eleva o espírito de seus companheiros com seu carisma diante das situações enervantes. Ambos dividem um dos diálogos mais importantes do filme, no qual se questiona o tamanho do risco e sacrifício que suas profissões exercem e qual é a real relevância e marca que deixam em suas famílias.
A esposa de Mikhail, Tanya (Léa Seydoux), estende os laços de união entre os marinheiros para as relações com as outras esposas, sendo ela a janela de história dos que ficam. Tanya é o nó central da rede de apoio que se forma, e se recusa a carregar a sina da mulher de marinheiro, de ser subserviente, esperar e confiar. Ao invés disso, luta para pressionar as autoridades, lembrando a eles que o impacto que cada vida perdida causa em suas respectivas famílias.
De modo geral, o longa não se destaca artisticamente, e acaba pecando no excesso de autoexplicação do roteiro. A discussão proposta pelo filme chega a sair da boca de um dos atores, mesmo após já ter sido apresentada visualmente em diversas cenas anteriores. Alguns eventos prenunciam suas consequências de forma muito óbvia, diminuindo a carga dramática que certas cenas deveriam ter. No entanto, algumas escolhas são interessantes, como uso do enquadramento clássico e sua transição para widescreen a medida em que a embarcação submerge, evocando a melancolia diante da partida enquanto contemplamos a imensidão do oceano se fundindo com o céu. E na conclusão o uso desse recurso trará um impacto ainda maior em mais uma cena emblemática.
O uso do tema musical também é notável e confere grande sensibilidade à história. Além de traçar um paralelo na cena do casamento com os momentos finais da tragédia, nos quais em ambos vemos – em celebração e em luto – a irmandade entre aquelas famílias que se apoiam, dividindo dores, alegrias e condições precárias de vida, evidencia o vazio que ficará eternamente na vida das mulheres e das crianças. “Kursk – A Última Missão”, eterniza o que mais importa no meio dessa tragédia, a história que os russos quiseram a todo custo silenciar. A história de vidas humanas que tanto ofereceram ao seu país para em troca serem negligenciadas em nome de interesses escusos. E esse é o poder do cinema, fazer com que aquelas vidas, silenciadas de forma tão estúpida, jamais sejam esquecidas.