Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de janeiro de 2020

Adoráveis Mulheres (2019): moderno retrato de época

Greta Gerwig consegue desenvolver um filme com uma narrativa moderna, enquanto discute questões que afetam a vida das suas personagens. Um grande mérito para uma diretora nova, que consegue deixar seu nome mais relevante a cada obra lançada.

Uma dificuldade para diretores e roteiristas ao trabalharem com filmes de época é conseguir lidar com a barreira temporal, sem que isso afete a verossimilhança da história. Se por um lado, uma linguagem moderna pode deixar a narrativa anacrônica, se prender demais ao passado pode deixar a produção datada e cansativa.  É exatamente no limiar entre essas duas zonas que Greta Gerwig (“Lady Bird“) caminha em “Adoráveis Mulheres”. Um mérito que mostra o quanto a diretora cresceu desde o seu último trabalho.

A trama, adaptada do romance “Mulherzinhas“, de Louisa May Alcott, acompanha quatro irmãs, que sonham em ascender na vida profissional através da arte. Mas quando Beth (Eliza Scanlen) fica doente, Jo (Saoirse Ronan), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) precisam retornar ao antigo lar e encarar as duras consequências de suas existências.

Dividindo-se em duas linhas temporais, as trajetórias que envolvem as quatro irmãs são apresentadas ao público através das lembranças de Jo. O passado da aspirante à escritora ajuda a construir a narrativa presente, algo feito pela cineasta com uma consciência absoluta sobre seu filme. Sabendo o que ela pretende, as cenas não soam gratuitas, sempre fazendo a trama avançar ou desenvolvendo novas camadas das suas personagens. E, se a montagem parece confusa em alguns momentos, a fotografia surge para ajudar a contar a história.

Alternando entre um passado colorido (mesmo nos momentos de maior tristeza) e um presente pouco saturado, é possível sentir como a vida não foi gentil com as mulheres da obra. Os mesmos ambientes assumem um visual frio e, por vezes, claustrofóbico, em comparação às memórias que a protagonista tem. Assim a diretora (com ajuda do seu diretor de fotografia Yorick Le Saux, de “Personal Shopper“), consegue construir seu projeto em camadas que ultrapassam os diálogos.

Com isso, o roteiro — assinado pela cineasta — é capaz de se concentrar nas personagens, construindo-as com personalidade, mas sem parecer anacrônico. Nada soa forçado, nem datado. Jo não é respeitada pelo editor que publica suas histórias, Meg aceitou desistir dos palcos para poder se casar, enquanto Amy tem consciência do significado de um casamento por status. Ao mesmo tempo, Jo não abre mão da sua escrita, Meg admite que sonhar em se casar não a diminui, e Amy se mostra sempre confiante.

O texto ainda tem a preocupação de ser otimista, mesmo que precise apresentar instantes de dificuldades. É uma escolha importante, pois quando as passagens confortáveis surgem, é para aliviar algum problema apresentado. Essas sequências tornam tudo mais verossímil, uma vez que existe um equilíbrio natural entre alegrias e tristezas. Se a narrativa é positiva, é porque a diretora optou por isso, mas sem forçar situações improváveis. Tanto com Beth encontrando paz (e correspondendo da mesma maneira) ao tocar piano na casa do vizinho Mr. Laurence (Chris Cooper), com as memórias de Jo, quanto nos pequenos desejos de Meg.

Cabe destacar que parte do sucesso obtido pelo roteiro, deve-se a qualidade do elenco. Saoirse Ronan é quem passa por mais mudanças ao longo da história, algo que atriz consegue demonstrar bem, confrontando os homens que a cercam, assumindo o papel de protetora perto da irmã doente ou precisando lidar com seus conflitos pessoais. E, embora seja Beth que una as personagens, é Jo quem desenvolve os embates entre elas, como no triângulo amoroso envolvendo Amy e Laurie (Timothée Chalamet).

“Adoráveis Mulheres” é um filme consistente, graças ao trabalho meticuloso de Greta Gerwig na direção. Seu controle sobre o filme pode ser notado, desde a primeira cena, até a sua conclusão. Auxiliada por um elenco forte, o resultado é não ter medo de discutir o papel da mulher na sociedade, mostrando como muitas coisas insistem em não mudar. O final ambíguo desafia o texto original de Alcott, ao mesmo tempo que presta uma bela homenagem à autora. Se é preciso se vender às exigências do mercado, é preciso saber se impor. A cineasta faz isso com sabedoria, assim como sua protagonista. 

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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