Mistura de terror e ação mergulha fundo no que uma história pode ter de mais genérica e carente de substância: personagens vazios, sequências pouco inspiradas e uma tensão cheia de lacunas.
O cinema de ação pode ter algum conteúdo temático e/ou dramático para além das sequências de adrenalina, mas também pode se concentrar em estímulos para essa sensação. O maior problema, entretanto, é quando nenhuma das duas possibilidades se concretiza em uma narrativa que não sabe o que quer. “Ameaça Profunda” pode até oferecer, a princípio, uma atmosfera convidativa através do mistério dos acontecimentos, da apreensão quanto ao destino dos personagens e do desconhecido do fundo do mar. Uma aparência incapaz de se livrar da superficialidade de uma produção que jamais se justifica por conta própria.
O ponto de partida é um grupo de pesquisadores composto por Norah (Kristen Stewart), o Capitão (Vincent Cassel), Paul (T.J. Miller), Liam (John Gallagher Jr.), Emily (Jessica Henwick) e Rodrigo (Mamoudou Athie) trabalhando em uma plataforma subaquática a onze mil metros de profundidade. Eles são pegos de surpresa por um terremoto que causa a destruição do local e expõe todos ao risco de morte. Enquanto são obrigados a caminhar pelas profundezas marítimas para sobreviver, ainda se deparam com um mal desconhecido e assombroso.
A partir da premissa acima, é estabelecida uma dinâmica de luta pela sobrevivência após o acidente em razão de cada cena reveladora das condições adversas a que estão submetidos (falta de oxigênio, defeitos nos aparelhos e trajes, precariedade na locomoção e visualização da área e desconhecimento dos detalhes do entorno) – aspectos evocativos dos filmes passados no espaço, como “Gravidade“. Além disso, ainda há uma dinâmica de vídeo game criada pela necessidade daquelas figuras de partirem de um ponto para outro, cumprindo pequenas “missões” para se salvarem diante do crescente número de desafios na jornada – portanto, colocá-las numa posição ativa é benéfica para evitar a simples reação aos obstáculos e ampliar o grau da tensão.
Não bastassem as complicações inerentes às consequências do terremoto e os esforços para resistir a elas, que por si só já sustentariam a narrativa, o roteiro ainda insere uma ameaça monstruosa que nunca é devidamente explorada: insinua-se a possibilidade de algo aterrador e inédito para a humanidade existir naquela área através dos flashes de notícias e relatórios da empresa exploradora; isso flerta com uma explicação sobre o porquê da agressividade das criaturas logo abandonada sem maiores menções; hesita entre a ocultação/sugestão do ser para construir inquietação e a revelação imediata do antagonista; faz uma referência vazia a “Alien: O Oitavo Passageiro” e remete prejudicialmente a “Vida“; e aumenta a escala do perigo apenas de forma repentina porque parece ser cool.
Mesmo derrapando nas escolhas narrativas mais sobrenaturais, é possível afirmar que o trabalho de William Eubank (“O Sinal: Frequência do Medo“) acerta ocasionalmente na criação de algumas sequências de ação ou de suspense. O diretor imprime energia e entretenimento a determinados momentos chave da trama, como a destruição da plataforma e as aparições iniciais dos monstros, porém não consegue sustentar tais méritos por muito tempo em função de opções visuais duvidosas. Por exemplo, a câmera lenta durante a invasão das águas no laboratório é bem empregada para contrastar uma pequena goteira com uma avalanche descontrolada. Por outro lado, a mesma técnica é esquecida durante quase toda a projeção e apenas retorna como um efeito apelativo para de supervalorização da imagem sem sentido dramático. Em outros casos, a câmera na mão e o equipamento preso ao traje dos pesquisadores são menos utilizados do que poderiam para potencializar a aflição, a sequência em que Norah confronta uma grande ameaça é esvaziada logo em seguida quando ela aparece da mesma maneira como estava. A fotografia banhada em filtros de luz vermelho (representativos da violência ocorrida) de determinadas cenas contrasta com outras em que o caos visual da ação impera em decorrência dos cortes frenéticos e uma iluminação confusamente escurecida.
Reunindo as abordagens encontradas em cada dimensão da história, é possível também notar como não há uma base temática e dramática clara. Não que seja, necessariamente, uma obrigação trabalhar alguma grande questão filosófica, dramática ou social ou trazer um tema que explore nuances da humanidade. Algo diferente de exigir uma profunda complexidade é esperar elementos acima da superficialidade genérica que contamina o filme, o que se torna um grande débito dos realizadores. Dois indícios significativos demonstram esse vazio: as possíveis analogias com outras produções sem uma identidade própria, como “Gravidade” e “Alien“, e a narração em voice over de Norah, que jamais se justifica ao aparecer no início, ser deixada de lado e reaparecer no final com a pretensão incoerente de dar algum peso àquele plot.
A pobreza dramática igualmente se verifica na falta de desenvolvimento dos personagens, que aparentam ser avatares e não indivíduos com seus próprios conflitos e objetivos. O Capitão simplesmente é a autoridade que sempre toma as decisões; Norah é a pesquisadora de maior iniciativa para enfrentar tantos obstáculos; Rodrigo não tem qualquer traço marcante; Paul é o membro da equipe que exagera nas piadas e se torna um alívio cômico enfadonho; e o casal Liam e Emily é simplesmente o casal. Trazer diálogos vazios (todas as conversas envolvendo relacionamentos) e expositivos (personagens que explicam entre si o que aconteceria se algo não fosse feito) é o ponto central que mostra como “Ameaça Profunda” tem dificuldade em justificar sua existência. Apesar de algumas boas sequências, o filme oferece várias lacunas negativas quanto ao porquê de ter sido concebido.