Renée Zellweger faz jus à Judy Garland, entregando uma interpretação intensa que explora as feridas emocionais da estrela.
Judy Garland foi uma das maiores atrizes de Hollywood. Dotada de enorme talento, estrelou filmes marcantes e se afirmou como uma cantora de imenso sucesso. Tamanha fama trouxe grande atenção e demanda, mas se engana quem acha que sua trajetória foi um mar de rosas jogadas aos palcos sempre que se apresentava. Adaptando a peça “End of the Rainbow”, “Judy: Muito Além do Arco-Íris” conta sua história durante alguns meses em seu último ano de vida, encerrada precocemente.
O longa foge do glamour de sua carreira, focando na mulher incerta de sua própria capacidade e dependendo perigosamente de pílulas para lidar com uma ansiedade advinda de anos de abuso e, basicamente, de tortura. Some-se a isso seu sofrimento de precisar ficar longe dos filhos pequenos e os percalços financeiros (nunca bem explicados) e temos uma pessoa coberta de sentimentos autodepreciativos.
Há flashbacks muito bem utilizados e encaixados que mostram uma Judy adolescente (Darci Shaw) sendo controlada pelo magnata Louis B. Mayer (Richard Cordery). Ele se vale do poderio de dono do estúdio MGM e do tamanho avantajado para intimidá-la a seguir uma rotina tirânica de filmagens e ser privada de alimentação básica e sono – ela recebia pílulas atrás de pílulas para não sentir fome. São cenas incômodas e difíceis de assistir, que ilustram o processo massacrante que foi trabalhar nessas condições. Sua vida se resumia a ser tratada como um objeto a ser explorado e reflete o lado podre dessa indústria que deveria ter sido extinto ali mesmo, mas que estarrece ao se perpetuar no novo milênio.
O uso dessas cenas tem grande êxito em ilustrar a personagem adulta, perto de sua morte por overdose acidental. Todo esse material é trabalhado com maestria pela atriz principal, Renée Zellweger: em alguns momentos, tecendo comentários ácidos e críticos e, em outros, estando prestes a desmoronar, porém ela transpira exaustão e dúvida com lampejos de desesperança em todos. Nas sequências em que se apresenta musicalmente, a intérprete se destaca ainda mais, não por ter treinado a usar sua própria voz, mas por fazê-lo de maneira que transparece dor e cicatrizes físicas e emocionais. Em sua primeira performance num palco, surpreende ao transitar por várias facetas, partindo de insônia e languidez, encontrando energia e carisma fora do comum quando o show começa, e voltando ao poço de incerteza e autossabotagens que a perseguem constantemente.
O foco total na protagonista acaba resultando em personagens secundários que não rendem tanto quanto poderiam, servindo mais como auxílios narrativos para a jornada principal do que como pessoas multidimensionais. Há boas tentativas de fazer esses elementos funcionarem, com o novo amor Mickey Deans (Finn Wittrock) e com a gerente de apresentações Rosalyn Wilder (Jessie Buckley), que geram intrigantes conflitos, entretanto nunca fazem o filme decolar como seus papéis prometem. Pelo menos quando o ex-marido Sid Luft (Rufus Sewell) entra em cena, o roteiro assume o fato de que ele está lá só para fazer o arco da cantora se desenvolver, sendo assim mais honesto e competente.
No entanto, se o texto é inconsistente em alguns quesitos, acerta em outros, como na dupla de fãs que encontra a estrela após uma de suas apresentações. São momentos simples e sinceros, dando uma boa brecha para que a personagem sinta os pés no chão brevemente.
“Judy: Muito Além do Arco-Íris” é uma competente demonstração da vivência da atriz e cantora. Ao mesclar seus momentos derradeiros com flashbacks muito bem montados, abre-se uma janela para a alma ferida de uma mulher que passou por sofrimentos consideráveis para conquistar o mundo. Renée Zellweger faz com que a cinebiografia de um momento conturbado na vida de uma das maiores estrelas da história do entretenimento seja intensa e audaz, entregando uma interpretação digna de ser presenciada, como Judy Garland sempre foi.