Com as expectativas para o encerramento da "Saga Skywalker" nas alturas, Episódio IX frustra até mesmo os fãs mais otimistas da franquia "Star Wars".
Iniciada em 1977, a franquia “Star Wars” tornou-se um ícone marcante da cultura pop, considerada por muitos a maior de todos os tempos nos cinemas. Por meio de tramas simples e personagens carismáticos, a obra-prima de George Lucas aquecia corações dos infinitos fãs do trio Luke, Leia e Han e suas aventuras em uma galáxia muito distante. Vinte anos depois, Lucas resolveu contar a “história antes da história” ao mostrar a origem de Anakin Skywalker até transformar-se no lendário Darth Vader dos filmes originais. A nova trilogia divide opiniões, pois claramente foi concebida para agradar novos espectadores infantis, mas era nos fãs da primeira leva de longas onde encontrava seu público mais devotado, que esperavam obras condizentes com seu amadurecimento. Depois de mais vinte anos, uma troca de donos da franquia e um avanço suis generis na sociedade, fomos apresentados a mais uma trilogia, a que encerraria de vez com a “Saga Skywalker”. Depois do seguro “O Despertar da Força” e do subversivo “Os Últimos Jedi” – ambos ótimos -, o adjetivo que podemos dar para “A Ascensão Skywalker” não pode ser outro: decepcionante.
É impossível não tender à frustração ao descrever este que parece não corresponder a um produto do cinema atual. A começar, claro, pela necessidade de “ressuscitar” o imperador Palpatine (Ian McDiarmid) – algo exposto desde os primeiros materiais de divulgação -, assim como usá-lo como peça fundamental para o desenrolar de toda a trama. O Episódio VIII já havia mostrado que usuários fortes da Força podem surgir do nada (vide Rey e Snoke), assim como havia desenvolvido magistralmente o arco de Kylo Ren (Adam Driver), agora Líder Supremo e natural vilão da saga, algo perfeitamente aceitável e ainda não visto nos filmes anteriores. Até que a escolha do diretor J. J. Abrams (“O Despertar da Força”) e do roteirista Chris Terrio (“Batman vs Superman”) pegou todas essas ideias e as jogou no lixo, trocando a coerência pelo puro fan service sem motivações.
Enquanto isso, Rey (Daisy Ridley) segue se aperfeiçoando como Jedi, e a Resistência tenta se reconstruir por meio dos esforços da General Leia Organa (Carrie Fisher), Poe Dameron (Oscar Isaac), Finn (John Boyega) e os demais membros – menos Rose Tico (Kelly Marie Tran), covardemente esquecida e apagada do novo filme, dando lugar a duas novas personagens com pouca relevância e menos ainda tempo para desenvolverem-se. A primeira hora de filme é frenética, mas muito apressada, e atrapalhada ainda mais pela edição recheada de cortes rápidos e mudanças de foco a todo momento. É tanta informação que na metade do longa o ritmo já fica bem cansativo, salvo apenas pela iminência dos fins de alguns personagens, que servem para resetar o interesse na trama.
É curioso notar a dualidade entre Rey e Kylo Ren em “A Ascensão Skywalker”, incapaz até de arranhar o que foi mostrado no filme anterior. Mais uma vez o extraordinário é trocado pelo ordinário, onde a ligação entre eles serviu apenas como mais um mecanismo medíocre de um roteiro que apresenta problemas e soluções na mesma velocidade de um salto no hiperespaço. Pra sentir a diferença, basta ver como “Os Últimos Jedi” colocou Luke (Mark Hamill) e Kylo frente a frente, mostrando como ambos reagiram de formas diferentes aos acontecimentos passados – enquanto o jovem sobrinho não consegue livrar-se dos traumas (que agora o atormentam ainda mais), o mestre Jedi usou seu fracasso como uma lição de superação, o que faz com que sua visão daquele mundo seja ainda mais expandida. Isso explica, por exemplo, a indiferença de Luke com seu sabre de luz, algo que J.J. fez questão de passar corretivo e escrever por cima, revelando, além da ânsia em ignorar os acontecimentos do Episódio VIII, uma certa veneração pela arma lendária, mostrada à exaustão nos mais variados closes e cenas. Essa dualidade nem era tão destacada quanto a de Kylo e Rey, e mesmo assim foi infinitamente melhor trabalhada do que a dos protagonistas deste novo filme.
Aliás, a sina do diretor em negar a existência do longa de Rian Johnson beira o fanatismo extremo, tal qual um político raivoso exonera e persegue simpatizantes de partidos opositores. E nesse desespero, o diretor não só deixa de utilizar grandes tramas desenvolvidas e entregues de bandeja apenas aguardando uma conclusão, como também deprecia personagens que ele mesmo selecionou em “O Despertar da Força”, como o próprio Kylo Ren, cujas ações a partir do meio do segundo ato são totalmente sem fundamento ou justificativa plausível. Verdade seja dita, diferente da ousadia de “Os Últimos Jedi” – que é digna de créditos, independente do gosto do espectador -, o que se vê em “A Ascensão Skywalker” é uma história acanhada e difícil de cativar grande parte dos fãs da saga “Star Wars”. Este novo filme não consegue romper os padrões de origem, construção e fim de jornadas de personagens, preocupando-se apenas em enfiar nostalgia e fan service goela abaixo do público, assim como entregar respostas mais “fáceis” de digerir, talvez pelo medo gerado na Lucasfilm depois de um controverso Episódio VIII e um infeliz “Han Solo”.
A propósito, vale uma atenção especial para as jornadas dos personagens – ou para o descaso para com elas. “Star Wars” nunca se notabilizou por narrativas inacreditáveis, mas por papéis cativantes. Esse, inclusive, era um dos pontos altos de “O Despertar da Força”, que mesmo com uma carinha de refilmagem de “Uma Nova Esperança”, trazia um novo trio apaixonante, além de (não tão) novos perigos, o que trouxe um refresco para a franquia. “Os Últimos Jedi”, por sua vez, abraçou totalmente o desenvolvimento não só desses novos personagens (menos da pobre Capitã Phasma), como também investiu na expansão do lendário Luke Skywalker, trazendo uma das várias quebras de expectativa que tanto mexeram com o público – para o bem ou para o mal. “A Ascensão Skywalker” parece um filme totalmente sem propósito com seus personagens, bastando ver Finn e sua presumível amnésia seletiva para com os eventos do longa anterior. Rey e suas revelações finais geram um misto de repulsa, vergonha e até dó; a própria batalha final da Resistência é totalmente desprovida de carisma; até Leia e Luke escondem algo que, quando vem à tona, não faz o menor sentido com as ações deles; e o que dizer de Kylo Ren, atravancado em um passado o qual ele mesmo luta contra desde que o conhecemos. Não bastasse deixá-lo mudo em grande parte da obra, condicionar esse passado ao encerramento de sua jornada é absolutamente imperdoável, pra dizer o mínimo.
A verdade é que “A Ascensão Skywalker” deve agradar a muitos. E não há nada de errado nisso. O longa, parece, no entanto, apelar a muitos daqueles que rejeitaram os novos ares da franquia. Os que não aceitam mudanças e evoluções; os que consomem “Star Wars” como um entretenimento leve e divertido e acham que os filmes não precisam ir além disso; os que se prendem na simplicidade e temem a ousadia. Porém, depois de tudo o que a franquia de George Lucas se tornou na vida de tantos, é difícil concordar que o ponto final de uma saga tão fascinante seja algo desestimulante a esse ponto, tal qual a leitura de um imenso texto, e quando estamos prestes a ler a última linha, tudo repentinamente perde o sentido.