Terror brasileiro pode até pecar no ritmo, mas acerta em cheio na ambientação e na performance dos atores.
Na produção de terror brasileira “O Juízo”, Augusto (Felipe Camargo), após ter perdido tudo o que tinha na cidade grande devido ao alcoolismo, se muda com a esposa Tereza (Carol Castro) e o filho adolescente Marinho (Joaquim Torres Waddington) para uma fazenda herdada de seu avô. O lugar, bastante isolado, ostenta um antigo casarão de onde resolvem tentar tirar seu sustento e uma chance para recomeçar. Porém, o espírito do ex-escravo Couraça (Criolo) e de sua filha Ana (Kênia Bárbara), assassinados após serem traídos pelo antigo patriarca da família do protagonista, assombram o local em busca de vingança.
O longa marca a estreia da atriz Fernanda Torres no roteiro, que acerta ao não esmiuçar detalhes expositivos sobre os personagens, deixando que a trama vá se desenrolando e que os elementos ao redor deles forneçam informações suficientes para que o espectador conheça o suficiente de cada um. A ambientação do local altamente remoto, reforçado por tomadas aéreas que ilustram como não há qualquer tipo de ajuda por perto, dá o tom e busca deixar a plateia nervosa sem precisar apelar para sustos baratos. Méritos do diretor Andrucha Waddington (“Chacrinha – O Filme“), que faz ótimo uso das cenas noturnas iluminadas apenas por velas – a casa não possui eletricidade – para criar uma atmosfera suspeita e incômoda, na qual nunca se sabe o que pode estar nas sombras.
Conforme a história se desenrola, acompanhamos Augusto, impulsionado pela ganância e pela promessa de soluções fáceis e rápidas, lentamente enlouquecer. A maneira pela qual a maquiagem vai trabalhando as feições do ator à medida que sua situação mental piora é certeira: as rugas se tornam mais visíveis, a barba e o cabelo menos cuidados, seu estado físico reflete seu psicológico. Felipe Camargo entrega um bom trabalho, sem exageros e intimista, dizendo muito com a linguagem corporal. Carol Castro está ótima como uma mulher que já passou por maus bocados com o vício do marido, mas que ainda tem ternura o bastante por ele e por Marinho para se manter forte diante uma drástica, dura e brusca mudança de vida. O jovem Joaquim Waddington cumpre seu papel do filho adolescente que se encanta pela figura etérea de uma garota, Criolo consegue segurar a barra, mesmo que não consiga transmitir a intensidade que seu personagem pede a todo momento, sendo mais uma boa adição ao elenco que ainda conta com Lima Duarte e Fernanda Montenegro. Ambos trazem peso e carisma para papéis que poderiam facilmente cair no caricato.
Infelizmente, nem tudo é ótimo na obra, que talvez funcionasse melhor como um média metragem. A sensação de que algumas situações se prolongam mais do que o necessário realmente aparece e contrasta com o final, que ocorre de modo levemente apressado para que o impacto proposto pela trama seja, de fato, sentido. São aspectos que tiram a tensão presente no potencial cinematográfico, porém ela acaba se destacando mais pelas derrapadas do que pelos acertos.
Entretanto, nada efetivamente atrapalha a experiência. A ambientação estabelecida segura a atenção do público, em razão também de elementos reforçados pela fotografia de Azul Serra, que não só usa a luz de velas para criar inquietação como captura a mata ao redor da fazenda de maneira que ela se torna ameaçadora e insalubre.
“O Juízo” marca uma boa estreia de Fernanda Torres como roteirista, o que impressiona ao perceber que sua carreira é composta principalmente por obras de drama e comédia. Graças a um clima de constante suspeita e às boas atuações, o filme é um bom exemplo de cinema de gênero no país e merecedor de ser conferido.