Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de dezembro de 2019

Pássaro do Oriente (Netflix, 2019): boa construção para pouca entrega

Apresentando bons aspectos técnicos, ótimo elenco e bom desenvolvimento, o novo lançamento da Netflix peca ao não focar bem nos seus temas principais e acaba entregando uma narrativa previsível.

Lançamento promissor da Netflix, “Pássaro do Oriente” conta a história de Lucy Fly (Alicia Vikander), uma sueca que imigrou para o Japão ainda muito jovem e leva uma vida tranquila e aparentemente isolada de outras pessoas. Até conhecer Teiji (Naoki Kobayashi), um fotógrafo com quem se envolve romanticamente. Quando o casal cruza seus caminhos com Lily (Riley Keough), uma americana que há pouco se mudou para lá e pede ajuda para se adaptar à cultura do país, os três acabam entrando num triângulo amoroso para o desespero de Lucy. Após Lily desaparecer misteriosamente, a mulher europeia se torna a principal suspeita.

O filme, dirigido por Wash Westmoreland (“Colette”), elabora satisfatoriamente a tensão ao longo da narrativa, além de ter um ritmo envolvente. A protagonista é o ponto central por obter êxito (até certo ponto) na construção de uma figura que propositalmente se isola do mundo enquanto não conhece alguém que a tire da zona de conforto e realmente a entenda. A personalidade mais conquistadora de Teiji é um bom contraponto para a mais tranquila de Lucy, fazendo essa dinâmica ficar ainda mais interessante com a chegada da bastante extrovertida Lily. Quando a americana começa a construir amizade com ambos e ficar mais próxima do homem do que sua amada gostaria, percebemos como a sueca, mesmo assim, não consegue se impor e deixa os outros ditarem o ritmo dos relacionamentos: às vezes tenta bater o pé em alguma questão, mas volta atrás logo em seguida com medo de danificar o que ela já havia construído. O que acaba resultando na aceitação de situações absurdas, típicas de pessoas que se encontram dentro de relacionamentos abusivos. Lucy é retratada de maneira dúbia propositalmente, contudo, à medida que a história vai se desenrolando, um elo de empatia é estabelecido entre o espectador e a personagem por conta de momentos que despertam sua paranoia constante. Infelizmente, o sentimento não surge, necessariamente, por causa da sua personalidade, já que não é muito bem explorada nos dois primeiros atos.

De qualquer modo, é interessante acompanhar essa jornada dramática, o que torna a decisão do roteiro de revelar mais sobre seu passado apenas nos minutos finais um pouco equivocada. Se essas informações estivessem presentes no segundo ato, seria mais fácil de entender e se conectar com a protagonista num nível mais profundo durante o resto da trama. Guardar certas descobertas para o final e depois que os maiores conflitos já estão resolvidos é um desserviço com tudo que tentaram construir até ali.

Apesar de apresentar um texto interessante, sempre que o enredo tem oportunidade de se provar maior e mais original, acaba voltando para o clichê e deixando a narrativa previsível em alguns momentos. O filme começa já retratando o sumiço de Lily, algo que se o público prestar atenção pode facilmente dar um chute certeiro sobre o que aconteceu com a ela. Assim, ele se beneficiaria de um pouco mais de originalidade na forma pela qual decide retratar o ponto central de sua história.

A obra também teria um desenvolvimento mais competente se escolhesse explicar melhor o porquê de Lily ter se mudado para o Japão. Ao contrário de Lucy, a americana não demonstra apreço pela cultura ou costumes locais e sempre fala de como sente falta dos Estados Unidos. Sua presença no país parece mais uma escolha deliberada do roteiro para trazer algum conflito para a trama. Quando ela se encontra no meio do relacionamento de Lucy e Teiji, a dinâmica funciona, mas poderia ser muito melhor trabalhada e fazer mais sentido se o script (também de Westmoreland) tivesse elaborado a personagem como realmente uma pessoa e não apenas um artifício narrativo.

Os aspectos técnicos não deixam a desejar. A cinematografia de Chung-hoo Chung (“A Criada”) destaca os tons de verde da paisagem japonesa e contém takes ricamente construídos e bem centralizados – se passando na Tóquio de 1989, a cidade é quase um personagem por si só. Além disso, transmite habilmente o que está se passando na mente da protagonista. A trilha sonora de Atticus e Leopold Ross e Claudia Sarne é primorosamente construída, às vezes evocando mais emoções do que aquilo que está em tela merece. Não de um modo ruim para tentar fazer o espectador sentir algo forçadamente, mas apenas se destacando como um recurso superior ao resto do que está sendo exibido.

Mesmo elaborando uma boa tensão durante a narrativa, a conclusão acaba se desenrolando de forma anticlimática com mais construção de suspense do que a história estava, de fato, pronta para entregar. Apesar de fazer sentido tal qual foi foi adaptado, o argumento carece de mais algumas edições para fortalecer pontos do filme que poderiam ter mais destaque positivo. De qualquer forma, Pássaros do Oriente consegue ser envolvente, algo que já é digno de elogios, considerando os lançamentos em grande parte abaixo da média das produções originais Netflix de 2019.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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