Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O Anjo do Mossad (2018): o herói de duas nações

Mesmo com um israelense na direção, o filme não toma partido na abordagem da Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio. A trama de espionagem cativa e é conduzida com ponderação sob a perspectiva dos egípcios.

Toda representação de uma história factual carrega consigo o peso da fidelidade dos fatos, sendo essa tensão extrapolada em “O Anjo do Mossad” por se tratar de uma guerra complexa com resquícios até os dias de hoje. O longa tem o estilo norte-americano de suspense, mas é seguro em suas discussões e concentra a narrativa nos pontos chaves que envolve Ashraf Marwan (Marwan Kenzari, de “Aladdin”). Ele foi o “anjo” egípcio que trabalhou como espião para o serviço secreto civil do Estado de Israel, o Mossad. Mesmo se tratando de assuntos sigilosos, a produção consegue explicar a história desse misterioso homem diante de um conflito inevitável. 

Dirigido por Ariel Vromen (“O Homem de Gelo”), o filme é estrelado por Toby Kebbell (“No Olho do Furacão”), que interpreta o espião canadense Danny Ben Aroya encarregado de investigar o informante da agência israelense. O longa é uma adaptação do livro “O Anjo: O Espião Egípcio Que Salvou Israel” escrito por Uri Bar-Joseph. Na trama, após Israel vencer surpreendentemente a Guerra dos Seis Dias e ocupar A Península do Sinai, as Colinas de Golã, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, o presidente egípcio, Gamal Nasser, reúne todas as nações árabes para um contra-ataque a fim de tomar os territórios.

Enquanto o Egito se prepara para a retaliação, Marwan, o assessor da presidência entra em contato com a embaixada israelense para passar informações do eminente ataque. Contudo, a atendente não encaminha a ligação para o embaixador, então ele retorna para sua esposa e filha do presidente na embaixada egípcia em Londres. Nesse tempo, o então governante Nasser falece por motivos de saúde e Marwan se torna conselheiro e confidente de seu sucessor Anwar Sadat. Conforme a tensão aumenta, não demora para que um agente (Kebbell) do Mossad contacte o protagonista para interrogá-lo sobre o motivo da ligação.

Embora o contexto das ações seja complexo e subjetivo, em poucos minutos o filme explana o cenário e coloca os personagens para conduzir a história. Apesar de ser em grande parte fiel aos fatos, a narrativa toma liberdades para inserir uma personagem para criar um triângulo entre Marwan e sua esposa. Tal inclusão até dá substância para o suspense e amplia o jogo de gato e rato, porém investe num glamour que não existe na espionagem do mundo real. A maneira que se deu o primeiro contato com a instituição também foi levemente alterado, mas nada que destoe dos fatos. No mais, toda reconstituição, tanto de época quanto de pessoas, transmite muita autenticidade. 

Após dois primeiros alertas falsos, a credibilidade das informações começam a ser questionadas pelos israelenses. Por ser uma peça fundamental dentro do governo egípcio, o Mossad desconfia que ele os está usando. A segunda metade do longa trata dessa situação, de Marwan tentando provar seu valor para os dois países. O que até hoje fica em cheque são suas reais motivações, podendo ser explicadas por uma frase: “Às vezes para se obter a paz é necessária a guerra”.  

O ataque foi planejado pelos egípcios para o dia do feriado judaico, o Yom Kippur, para assim ganharem vantagem sobre os israelenses. Embora cientes do tradicional sistema ofensivo do inimigo, o que a coalizão árabe não esperava era uma figura central alimentando os dois lados com informações cruciais. Ainda que o protagonista tenha feito tudo por dinheiro, é inegável que seus atos levaram esses eventos a gerar paz por mais de quarenta anos entre Israel e Egito. E um Nobel da Paz para o primeiro ministro e presidente. Ashraf Marwan se tornou herói nacional nas duas nações e “O Anjo do Mossad” vem justamente para falar do homem sem fazer julgamento do conflito. Muito diplomático, mas consciente do seu propósito. 

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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