Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de dezembro de 2019

Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe (2019): tímido neo noir

Projeto de Edward Norton que demorou quase 20 anos para sair do papel tem muita vontade de ser um noir sobre questões raciais, mas fica só no plano da homenagem receosa.

Artistas, especialmente atores e cineastas, volta e meia encontram o tal “projeto do coração”, aquele que acreditam ser o trabalho de suas vidas. Para Edward Norton, que já é uma figura mais do que estabelecida no cinema hollywoodiano, o empreendimento que escolheu para chamar de filho foi “Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe”, adaptação do livro homônimo de Jonathan Lethem, lançado em 1999. 

Ele foi quase um pai solo nessa empreitada: decidiu filmar, produzir e protagonizar o longa, além de assumir a adaptação do roteiro por sentir que a história se encaixaria melhor se ela se passasse nos anos 1950. O problema é que a produção ficou parada por quase 20 anos, uma vez que a ideia era produzi-la de forma independente. O trabalho virou uma obsessão pessoal do artista e logo se percebe como demorou tempo demais para ser feito.

As sacadas do realizador ao adotar uma ambientação anterior à história original e usar os recursos dos filmes noir para narrar o mistério que cerca o peculiar Lionel Essrog (Edward Norton) são interessantes. A principal adversidade enfrentada é ter muito potencial para trazer ares mais modernos ao subgênero, porém não conseguir ver a luz do dia nas suas mais de duas horas de duração. 

Essrog é um órfão solitário por sofrer de síndrome de Tourette, com tiques e manias que se intensificam quando ele fica nervoso. No entanto, ele possui uma memória invejável e é aceito em seu trabalho como detetive particular. Na trama, deve desvendar os motivos que levaram um grupo de bandidos a matar seu chefe, Frank Minna (Bruce Willis). Durante a investigação, acaba se envolvendo em um mundo em que o racismo, a corrupção política e moral e o higienismo social são leis.

A referida potencialidade não se concretiza por não cair de cabeça no estilo que se propõe a fazer, soando somente como uma peça de nostalgia e uma homenagem à “Chinatown”, de Roman Polanski. Aparentemente, existe um medo em mostrar tudo aquilo que poderia conseguir. E como o tem: com um elenco tão afiado e que trabalha muito bem com o material proposto, era esperado que o longa pudesse ser um dos mais falados em festivais mesmo com sua produção independente. O que acontece, porém, é um enredo que se perde em sua própria vontade de fazer uma ode ao estilo e à ambientação que adota, apesar da bela direção de fotografia de Dick Pope (“O Menino que Descobriu o Vento”).

Entretanto, a escolha do diretor e roteirista de levar a narrativa quarenta anos para trás não é uma tentativa de fugir da realidade, uma vez que sua temática não poderia ser mais atual. Na busca por descobrir quem matou a única pessoa que o tratou como família, o protagonista se vê determinado a proteger a jovem advogada e ativista Laura Rose (Gugu Mbatha-Raw), também uma das poucas pessoas que não o afasta por conta de sua condição. Laura luta para que as pessoas de seu bairro predominantemente negro não sejam despejadas ou tenham um destino mais trágico,  além de enfrentar o grupo de políticos truculentos liderados por Moses Randolph (Alec Baldwin) que quer sua cabeça por razões além de sua compreensão. O detetive enxerga, nesse momento, mais do que somente a missão de vingar a morte de seu mentor, mas de exercer seu mais puro senso de justiça, ultrapassando a atração romântica pela moça antítese da femme fatale.

Nesse ponto, a linguagem noir usada pelo filme é bem empregada para falar de assuntos com os quais ainda lidamos e que pouco se falava à época do surgimento do subgênero. Talvez, com um mistério um pouco mais enxuto, porém não menos instigante, “Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe” poderia minimizar a sensação de que sua história se arrasta para a conclusão ou o sentimento de que algum detalhe vai, mais cedo ou mais tarde, se perder no meio do caminho. Portanto, são muitas subtramas que constroem essa atmosfera: o colega de equipe que fica com a viúva de Minna; todos os membros dos clubes de jazz que são apresentados; os vários personagens que aparecem e dão a impressão de que vão trair o herói em algum momento, mas que só fornecem informações pontuais.

O esforço para dar à luz o projeto pelo qual mais lutou fez com que Edward Norton entregasse algo que tem seus momentos de brilho e frescor, mas que inevitavelmente deixa transparecer que gostaria de ir além.

Jacqueline Elise

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