Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Halloween 2 – O Pesadelo Continua (1981): consolidando o mito

Sequência do clássico de 1978 planta sementes para a exploração futura da franquia, mas não consegue refazer os êxitos do "Halloween" original.

Quarenta anos depois do clássico “Halloween” de John Carpenter ter apresentado ao mundo novas maneiras de construir o terror nos cinemas, a franquia já havia acumulado diversas sequências, reboots e remakes. Essa continuação do original, “Halloween 2 – O Pesadelo Continua“, foi a primeira tentativa de explorar os personagens espremendo a história para obter mais sucesso nas bilheterias. Afinal, o icônico Michael Myers mal havia inaugurado a era dos filmes slasher – aqueles com vilões mascarados caçando adolescentes com facas e outros objetos fálicos e afiados – e já estava perdendo para o Jason de “Sexta-Feira 13” em número de obras lançadas na época.

Dessa vez, John Carpenter repetiu a parceria com Debra Hill somente no roteiro, cedendo o cargo de direção para o então estreante Rick Rosenthal. A premissa da sequência se aproveita do final aberto do original para continuar a história exatamente do ponto em que parou. Para lembrar, o assassino psicopata Michael Myers acaba de ser baleado pelo Dr. Loomis (Donald Pleasence) após atacar a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) numa casa de um pacato subúrbio de classe média dos EUA. No entanto, seu corpo desaparece, indicando que talvez não tenha morrido, e a cidade de Haddonfield começa a tomar conhecimento das atrocidades ocorridas naquela noite de Halloween.

Rosenthal tenta importar as técnicas de Carpenter para reconstruir o terror. Em suas mãos está um vilão imprevisível, incompreendido e que se move agilmente pelas sombras. Não sabemos quem ele vai atacar em seguida nem de onde ele pode surgir. Isso é parte do suspense construído com amplos planos da cidade sombria gravados com uma steadycam, muitas vezes trazendo um olhar subjetivo como o perigo que espreita. Reproduzindo elementos do original, o diretor também explora o fundo do quadro para estabelecer a tensão, se aproveitando do campo criado pelos ângulos mais largos de lente. Quando a narrativa leva a ação para ambientes fechados, especialmente ao hospital onde ocorrem os principais confrontos, Rosenthal infelizmente perde a mão e executa as cenas de maneiras estupidamente inacreditáveis, fazendo ruir o brilhantismo do anterior. Não é à toa que a sequência de 2018 decidiu ignorar todos os filmes lançados após o primeiro “Halloween“, incluindo esta continuação direta de 1981, numa espécie de reboot da franquia.

Por outro lado, as sementes para a mitologia de Michael Myers, por exemplo sua notável invencibilidade e a relação obsessiva com Laurie, foram consolidadas em “Halloween 2”. Além disso, percebe-se uma tentativa de expandir o horror a partir de temas novos, como o medo de hospitais e suas drogas, injeções e bisturis e a reação de uma cidade despreparada para enfrentar o mal personificado. O filme é um alerta de que não se pode mais viver com portas destrancadas e cadeados ineficientes, já que a violência não precisa de motivo ou explicação para acontecer. Uma referência recorrente aos zumbis de George A. Romero reforça as discussões sobre a relação entre o terror sobrenatural e nossa sociedade. A mensagem para os espectadores dos anos 1980 é que até mesmo o lugar mais tranquilo não está mais à prova do perigo.

É curioso notar a escolha de poupar o uso da memorável trilha sonora, também de John Carpenter, para momentos específicos e priorizando o desfecho. Há cenas de ataque executadas completamente no silêncio, sem qualquer trilha sonora. Numa época em que a fita VHS e as locadoras de vídeo ainda não eram populares, é de se imaginar que o horror no escuro silencioso do cinema era o objetivo principal dos realizadores. Entretanto, o desinteresse desses mesmos realizadores em continuar o mesmo nível de qualidade do primeiro filme é significativo, tanto no roteiro estúpido e sem inspiração quanto nas decisões convenientes de produção. Esta continuação se provou desnecessária e esquecível como muitas outras seguintes obras da franquia. Ainda assim, é um registro histórico de uma fase marcante do cinema de terror e (só) merece ser visto pelos amantes do gênero.

William Sousa
@williamsousa

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