Um documentário sensível sobre a vida de uma grande figura brasileira, marcada por polêmicas, carisma e um talento incrível. Composto por imagens de arquivos, encenações e depoimentos de grandes artistas, o longa é um exemplo para uma boa biografia.
Rogéria, umas das maiores transformistas do Brasil, é documentada pelo estreante em longas-metragens Pedro Gui em “Rogéria, senho Astolfo Barroso Pinto“. Ela assume muito bem o seu papel também com seu nome de RG: Astolfo Barroso Pinto. Conhecemos os seus dois lados, que com o desenrolar da obra se percebe ser um só, apenas uma persona. Astolfo é Rogéria, e vice-versa, mas um deles demora mais tempo para se arrumar, como conta a personagem título gravada antes de sua morte, portanto, protagonista de seu próprio filme. Enfim, é batizada dessa forma pelos próprios fãs que durante um carnaval ecoaram: “Rogéria”
A beleza da narrativa é uma mistura de linguagens: há a ficção, o documentário e uma terceira, que é a mais intimista e ocorre quase como uma matéria jornalística. Essa última é estabelecida com uma câmera na mão que muitas vezes treme, fica sem foco, mas é bela mostrando um passeio da artista pela Zona Sul do Rio. É registrado o seu contato com as pessoas falando ou tirando fotos, apesar de algumas delas serem desconhecidas, e com outras as chama pelo nome, por já serem do convívio da cantora/atriz/maquiadora, nenhuma delas ”famosas”. Em tais sequências, somos apresentados a lugares onde se apresentava e no que foram transformados depois – um deles em uma Igreja Universal, com a qual ela afirma não ter problemas já que respeita todas as religiões.
Contudo, é claro que nas entrevistas individuais, gravados no post mortem, grandes nomes surgem. Jô Soares, Bibi Ferreira, Agnaldo da Silva e Betty Faria são de extrema importância, pois são através deles que pintamos seu retrato. Outro grupo importante é o da família biológica, porque conseguem dar o panorama de como a estrela cresceu e como foi a infância do até então somente Astolfo, ” o mariquinha”. Nesse momento, a entrada da ficção para a encenação de pequenas esquetes ilustrativas revela a interpretação como fragilidade do filme. O elenco é fraco e os diálogos nada naturais, destoando totalmente da parte “documentada” e jornalística e criando um paradoxo: o que se é contado é incrível e o encenado não faz jus à história.
O núcleo de maior destaque é o dos personagens entrevistados que ascenderam com a artista, e dentre elas, a estrela é Jane di Castro. A coadjuvante conta histórias tão originais e de forma tão detalhada que nos fazem imergir e sentir como se estivéssemos presentes. Então, o espectador faz uma viagem no tempo até 1960/1970, quando elas sofriam com a perseguição da ditadura militar e estavam verdadeiramente à frente do seu tempo; passavam pela TV Manchete (melhor cena ficcional, que possui um dinâmico plano sequência); e terminavam ainda na década da finalização das filmagens, com seus shows e participações mais que especiais nas novelas. Aqui, não há meias-palavras e nem medo de chocar o público – Jane não é censurada e narra até uma história em que Rogéria a incentivou a fazer sexo oral (no filme é falada outra expressão) em um segurança de teatro para que elas pudessem entrar. Há, inclusive, uma passagem que fala apenas da vida sexual da celebridade.
Há belos momentos onde ela canta, fazendo pequenas encenações de diálogos ocorridos durante sua trajetória, sempre de forma espalhafatosa e alegre. O início de seu percurso foi como uma simples maquiadora, que depois entrou para um show de Travestis e teve carreira internacional até se tornar como se autodenominava: o travesti da família brasileira.
Portanto, o longa pode ser considerado uma linda homenagem àquela que partiu, que provavelmente estaria muito satisfeita e honrada com o resultado. Com um belo e sensível roteiro, uma montagem dinâmica e personagens relevantes, a eternização da personagem é um excelente produto cinematográfico.