Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de dezembro de 2019

Dark (Netflix, 1ª Temporada): respiro que precisávamos

Misteriosa e com um roteiro de tirar o fôlego. Assim é "Dark", uma série da Netflix que aliou uma boa história à uma primorosa produção para entregar um produto único e original que faltava na atual indústria do entretenimento.

Em uma era na qual a realização de séries e filmes é cada vez mais industrial, focada no rápido consumo de conteúdo e nas fórmulas batidas e nostálgicas, a Netflix se torna a casa de uma corajosa produção alemã. “Dark”, tendo uma história original criada pelo casal Baran bo Odar e Jantje Friese, diretor e roteirista, respectivamente, se destaca, indo na contramão do mercado atual de entretenimento. A série mistura suspense e sci-fi para contar a trajetória dos habitantes da fictícia cidade de Winden, que se envolvem em um misterioso caso de desaparecimento de crianças. Enquanto isso, Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) está prestes a descobrir um grande mistério envolvendo a morte de seu pai.

Há uma abordagem diferente sobre viagem do tempo daquela que estamos acostumados a ver em outros roteiros de ficção científica. Não somos transportados para o futuro ou passado nem vemos ações dos personagens influenciando e alterando as tramas, pois a premissa é que há um alinhamento temporal a cada trinta e três anos. Sendo assim, a montagem se mostra muito interessante, mostrando os três anos (1953, 1986 e 2019) linear e paralelamente, de forma que os eventos sejam simultâneos. Isso porque há uma mensagem pessimista de que os mesmos erros são sempre cometidos em diferentes gerações. Há também a ideia de que não importa o que façamos, estaremos sempre presos em movimentos temporais e as nossas atitudes não tem o poder de mudar os fatos, embora tenhamos uma falsa sensação de livre-arbítrio.

Explorando um tema bastante debatido atualmente na Alemanha, a narrativa aborda o problema energético construindo um paralelismo no impacto das usinas nucleares na vida das pessoas em diferentes épocas. Uma discussão que passa pelo acidente de Chernobyl em 1986 e o acordo assinado pela Alemanha que consiste em desativar todas as usinas até 2020. A usina é percebida como algo perigoso pelos moradores de Winden, um símbolo do temor da radiação e a possível causa de doenças, mas também é a peça central no desenvolvimento econômico da cidade. Lembrando que, embora não mencionado pelos realizadores, ocorreu outro grande acidente nuclear em Fukushima em 2011, poucos anos antes das filmagens.

A perfeição do tempo cíclico é reforçada pela escolha da simetria em diversas tomadas e pelo espelhamento da tela quando assistimos a duas épocas diferentes simultaneamente. Além disso, cenas distintas são filmadas e montadas exatamente da mesma maneira, como os momentos em que Franziska (Gina Alice Stiebitz) encontra Magnus (Moritz Jahn) na escola e que Ulrich (Oliver Masucci) encontra Hannah (Maja Schöne) no mesmo local. Isso traz uma sensação de déjà vu, fenômeno igualmente percebido e mencionado pelos personagens, reforçando o tema da periodicidade.

Outro aspecto interessante da fotografia é o uso das cores. A escolha de dessaturar, perdendo o colorido típico do outono europeu, confere uma carga maior de apatia e pessimismo. A série também usa as cores para se comunicar com o espectador. O amarelo está presente em diversos lugares e personagens, uma cor às vezes associada à doenças e ao abatimento, que pode ser identicamente um paralelo com a radiação, um alerta de perigo. Quanto mais destacado está o amarelo, mais o local ou o indivíduo está envolvido com os mistérios – um recurso visual possível de ser observado em outras obras, por exemplo, “O Sexto Sentido”.

A trilha sonora, apesar de ser fundamental para construir a sensação de angústia e melancolia, não ficou bem mixada e invade algumas cenas, podendo distrair o público. Outro ponto negativo são algumas atuações do núcleo adolescente. Magnus, Franziska, Bartosz (Paul Lux) e Martha (Lisa Vicari) atuam sempre em um único tom e não cativam. Isso se torna um problema, já que Martha tem uma importância significativa para o enredo. No entanto, os outros atores e atrizes, incluindo as crianças, entregaram um ótimo trabalho. Cabe destacar que a escolha de elenco foi muito acertada e, aliada a caracterização, chega a convencer que as representações em distintas épocas correspondem a mesma pessoa. Porém, para os espectadores mais atentos, essa condição pode estragar uma das surpresas da temporada.

A construção do roteiro é feita com eficiência, fácil de se engajar pelos seus mistérios e ganchos no fim de cada episódio, mesmo que exija certo comprometimento do espectador. A perda de algum detalhe pode confundir, principalmente, em razão da grande quantidade de personagens, dinâmicas familiares e nomes alemães que não estamos habituados a ouvir. É uma história muito carregada e densa, sem quebras na atmosfera sombria nem por um instante. Talvez a única cena que traga um pouco de calor seja a do café da manhã da família Nielsen no primeiro episódio, onde temos um plano longo os apresentando enquanto se revela a dinâmica da família, culminando num diálogo importante no final – um bom exemplo de como utilizar o tempo em tela.

Dark é o respiro que precisávamos no meio de tantos projetos iguais, remakes e adaptações. É original, não subestima o público, utiliza todos os elementos em tela para conceber sua narrativa ao invés de dar respostas prontas e explicações em excesso. Um modo ousado de construir uma história nos dias de hoje, no qual o consumo de entretenimento tem um ritmo industrial insano. Isso também se revela na forma como a série foi planejada: apenas três temporadas (ou três ciclos, corroborando com o próprio tema) e lançadas em períodos mais largos de tempo, desafiando os atuais padrões, mas mostrando o tamanho do respeito dos envolvidos com o que se quer contar.

Tayana Teister
@tayteister

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