Continuação 10 anos depois do primeiro longa trabalha com o familiar e repete piadas à exaustão, mas mostra que ainda consegue conquistar uma horda de espectadores famintos por gore e diversão.
Continuar certas franquias – que não foram pensadas para serem franquias, por sinal – é sempre um risco. Risco de perder o timing, de ser só uma cópia pouco inspirada da primeira parte, ou até mesmo de seus atores terem envelhecido muito. Mas claro que não é uma regra geral de Hollywood, vide o sucesso de crítica de “Blade Runner 2049”, que veio “apenas” 35 anos após a estreia do original. Só é preciso um roteiro convincente e uma dose de alegria de reviver aquela história e aqueles personagens nas telas.
“Zumbilândia: Atire Duas Vezes” pode entrar para esta categoria. Dez anos após o lançamento do primeiro longa, o diretor Ruben Fleischer tinha um obstáculo importante: convencer o espectador de que os personagens principais Tallahassee (Woody Harrelson), Columbus (Jesse Eisenberg), Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin) conseguiram passar tanto tempo sobrevivendo e matando zumbis, uma vez que Breslin encontra-se bem mais velha atualmente do que sua personagem do primeiro filme. E não adianta de nada só trazê-los de volta sem um motivo. É a partir deste ponto que a continuação começa: depois de tanto tempo, os zumbis acabaram evoluindo. Agora, além do morto-vivo corredor apresentado no início da epidemia do vírus, é possível também ver novos exemplares de zumbis, dos mais burros (chamados de “Homer”, de “Os Simpsons”) até os mais letais e difíceis de matar (os “T-800”, em homenagem ao “Exterminador do Futuro”).
Além disso, há também os conflitos internos de uma longa convivência com os poucos humanos que restam: o relacionamento de Wichita e Columbus caiu “na rotina” – se é que dá para haver uma em Zumbilândia -, e Little Rock se sente sufocada pelo comportamento de pai ciumento de Tallahassee, tanto que acaba fugindo com um hippie universitário anti armamentista que é convenientemente chamado de Berkeley (em homenagem ao campus da Universidade da Califórnia, conhecida por seus cursos de ciências humanas). Algo que “Zumbilândia: Atire Duas Vezes” pesa a mão é nas piadas direcionadas à cultura popular norte-americana, que pode passar despercebida para o público brasileiro, mas que ainda arranca risadas pelos absurdos das situações.
O conflito desta continuação é, justamente, a fuga de Little Rock: ela e Wichita dão no pé por se sentirem sufocadas pelos homens, até que Wichita também é abandonada pela irmã e volta com o rabo entre as pernas para Columbus e Tallahassee, pedindo ajuda para encontrar Little Rock antes que os T-800 a alcancem. Com isso, também somos apresentados à Madison (Zoey Deutch), uma patricinha que mora em um freezer no shopping e que atende perfeitamente ao estereótipo de loira burra e rica desmiolada. Até demais. Ela desperta a atenção de Columbus na pior hora, quando Wichita retorna ao grupo.
A personagem de Deutch, que era para ser uma crítica social aos estereótipos citados, acaba sendo tão repetitiva, monotemática e mal trabalhada que qualquer tentativa de desvirtuar as expectativas se perde ou soa anticlimática. Inclusive, algo que é mal trabalhado na sequência é, justamente, as motivações das personagens femininas: Little Rock parece só uma rebelde sem causa que se apaixona pelo ripongo que finge ser compositor das músicas de Bob Dylan, Wichita não para de provocar Madison por ciúme, e até Nevada (Rosario Dawson), uma personagem feita para ser a “versão feminina” de Tallahassee, é desenvolvida superficialmente comparada ao elenco masculino.
Entretanto, “Zumbilândia: Atire Duas Vezes” ainda tem seu charme: sem economizar nas piadas, ele retoma a diversão que era relembrar as regras de Columbus em diferentes momentos, e a matança de zumbis ainda é um entretenimento à parte. Mas quem definitivamente rouba a cena é Harrelson, que conseguiu dar um tom ainda mais tresloucado do que antes para seu personagem.
A coreografia das cenas de ação também ganhou um upgrade na continuação: sem muita história para contar, ter somente zumbis evoluídos não sustentaria a diversão. O filme, então, não economiza nos carros ultra customizados à la “Mad Max” para mostrar que, de fato, a Zumbilândia ficou ainda mais selvagem e sem limites. Cada um sobrevive como pode.
Ainda que pouco inspirada, recheada de momentos Deus Ex-Machina como recurso narrativo e com problemas de desenvolvimento de personagens, “Zumbilândia: Atire Duas Vezes” mostra que certas histórias valem a pena serem revisitadas, especialmente quando a diversão e o absurdo vêm em dobro e os atores se sentem confortáveis em reviver seus antigos papéis. A cena pós-créditos é inesperada e definitivamente imperdível para quem gostou do arco mais engraçado do primeiro longa. E quando se está em uma Terra infestada por zumbis, é preciso rir para não chorar – ou morrer.