Apesar de ser interessante do ponto de vista histórico, o drama baseado em fatos não atinge todo seu potencial por conta de erros cometidos no roteiro e na direção.
Filmes baseados em fatos históricos menos conhecidos podem ser uma grande surpresa positiva para o público. Ao escolher adaptar esses acontecimentos para o cinema, os estúdios ajudam a disseminar histórias que, não fosse pelo audiovisual, talvez continuassem desconhecidas pela maioria das pessoas. “Infiltrado na Klan”, “O Jogo da Imitação” e “Estrelas Além do Tempo” são bons exemplos recentes, assim como o também baseado em fatos históricos, “Uma Mulher Exemplar“.
Neste longa, acompanhamos a história de Catherine Weldon (Jessica Chastain), uma pintora da Nova York de 1890 que após ficar viúva, se encontra livre das amarras da sociedade para ir atrás de uma carreira no que ama fazer. Percebendo que não existia uma pintura de Touro Sentado (Michael Greyeyes), conhecido chefe da tribo Sioux, ela faz uma viagem até a Dakota do Norte para conhecê-lo e conseguir pintar um quadro seu. Chegando ao seu destino, Catherine acaba entrando no meio de uma disputa de terras entre o governo americano e os povos indígenas.
Uma preocupação que surge quando nos deparamos com narrativas onde uma suposta heroína/herói branco chegam em um lugar novo, com pessoas menos providas de direitos por conta da sua raça, é que a narrativa caia no clichê do “branco salvador”, algo feito até a exaustão por vários filmes de Hollywood (como em “Missão No Mar Vermelho” e “Histórias Cruzadas”, por exemplo). Felizmente, isso não acontece aqui: apesar de apoiar os povos indígenas contra as situações abusivas que o governo americano impõe, nunca vemos Catherine tomando um lugar de destaque ou liderança entre eles.
Como é recorrente em histórias reais que são adaptadas para o cinema, existem muitas diferenças entre o que aconteceu e como escolheram retratar no filme. Mas o fato de que decidiram não aumentar de forma irreal seu papel na história da tribo Sioux mostra como aqueles responsáveis por dar vida a essa narrativa respeitam os nativos americanos ali retratados.
Apesar de abordar essa questão de forma respeitosa, “Uma Mulher Exemplar” acaba falhando na construção do roteiro e na direção. O texto de Steven Knight apresenta uma Catherine bastante ingênua, que se coloca em situações bastante perigosas sem necessidade ou grande motivo aparente. Um exemplo desse comportamento é logo no início do filme, quando ela manda uma carta pedindo à Touro Sentado permissão para fazer sua pintura e viaja para encontrá-lo antes mesmo de receber uma resposta. O que resulta na mesma não sabendo para onde ir quando chega na cidade, e quase sendo presa pelo exército americano, que nunca deixou que sua carta chegasse ao chefe Sioux. Tudo isso aconteceu de forma bastante diferente na vida real, afinal, Catherine e Touro Sentado já se correspondiam há meses antes da sua chegada. Pelo menos o filme também não cai no clichê de colocar um homem para salvá-la nesses momentos, e a mesma consegue contornar tais situações por si só. Mas fica evidente que essa decisão sobre sua personagem foi tomada apenas para a história apresentar um pouco mais de suspense em momentos chave, tirando um pouco do realismo que a história consegue manter em outros pontos.
A direção de Susanna White também decepciona por não conseguir elaborar o suspense que o roteiro tenta inserir na narrativa. Nos momentos de confronto, as cenas são construídas de uma forma onde tudo ao redor delas (como cinematografia, fotografia e trilha sonora) parecem sugerir que aquilo que está sendo retratado são apenas conversas inconsequentes entre amigos. Não vemos planos diferentes das demais cenas para tentar elevar a tensão. A própria trilha sonora de George Fenton é bastante genérica e não consegue evocar nenhuma emoção, boa ou ruim.
Tudo isso acaba tornando a experiência de assistir ao filme bastante entediante, pois ele carrega um ritmo consistentemente lento. Apesar de trazer questões importantes sobre os direitos dos nativos americanos e como o modo de vida do homem branco foi acabando com a sua cultura pouco a pouco (e em certos aspectos de uma vez só, através de decisões mais drásticas), esses pontos só acabam mais desenvolvidos, de fato, no terceiro ato. Então é necessário passar por dois atos insatisfatórios (principalmente o primeiro), que são superficiais tanto em desenvolver os personagens quanto a narrativa. É no segundo ato que começamos a conhecer mais sobre Catherine e Touro Sentado, através de conversas expositivas sobre suas motivações e o passado de ambos, porém aqui essa exposição não incomoda. O passado dos personagens é bastante interessante (principalmente o de Touro Sentado), o que acaba fazendo esses diálogos se destacarem. A amizade que surge entre os dois é agradável de acompanhar, mesmo que nem sempre o argumento faça um bom trabalho em explicar o porquê da ligação entre ambos ser tão forte.
As atuações são consistentes e boas, com destaque para Michael Greyeyes, que interpreta o chefe da tribo Sioux com maestria. Touro Sentado, que sempre foi considerado pelo seu povo como um guerreiro, se encontra numa situação onde o seu antigo modo de viver quase não existe mais e é relegado a uma vida como fazendeiro, algo que se tornou uma grande frustração na sua jornada. Greyeyes consegue exibir todos esses conflitos internos de forma a causar empatia no espectador, mesmo naqueles que talvez não concordem com o modo de vida por vezes violento que o personagem liderava seu povo. Chastain também está em ótima forma, apresentando competentemente como conviver com os Sioux muda a visão de mundo e prioridades de Catherine.
Nem sempre convencendo na sua execução, “Uma Mulher Exemplar” pode ser interessante do ponto de vista histórico caso se deseje aprender mais sobre esse período da história americana. Infelizmente, o filme não consegue êxito em alguns dos aspectos mais importantes para obter uma narrativa coerente e mais empolgante de se acompanhar do começo ao fim.