Quinta temporada ilustra tudo o que a série tem de melhor: humor afiado e personagens que evoluem de maneira crível.
Ao longo dos anos, “Brooklyn Nine-Nine” vem se provando como uma das melhores séries cômicas produzidas em terras estadunidenses. Os personagens não se resumem a arquétipos humorísticos, mas também são seres humanos excêntricos. Eles aprendem, amadurecem e evoluem como pessoas conforme a vida vai trazendo novos elementos.
A última temporada produzida pela Fox chegou em setembro de 2019 na Netflix, trazendo o que teria sido a derradeira caso a série não tivesse sido salva pela NBC. Ela começa com Jake Peralta (Andy Samberg) e Rosa Diaz (Stephanie Beatriz) presos após a armação do season finale anterior. O artifício de começar com personagens afastados da delegacia já havia sido utilizado quando Peralta e Holt (Andre Braugher) entraram no programa de proteção a testemunhas e se mudaram para a Flórida, mas é novamente usado com maestria para realçar a qualidade com que a série consegue abordar temas sérios sem leviandade dentro de sua comédia. Criada por Daniel J. Goor (também criador de “Parks and Recreation”) e Michael Schur (da igualmente fantástica “The Good Place”), a obra possui um time de roteiristas afiado que consegue fazê-la ir além do humor de boa qualidade.
O que torna a série tão gostosa de acompanhar é ver seus personagens interagindo e se desenvolvendo. Peralta é um excelente exemplo. Do preguiçoso quebrador de regras do início da série, ele usa o fato de ser fã de John McClane (protagonista de “Duro de Matar”) e de filmes que têm policiais durões fazendo o que for necessário para obter justiça e soma isso ao que aprende com seus colegas para extrair o que é realmente válido desses símbolos: determinação e criatividade em resolver os casos. A influência do Capitão Holt em criar uma unidade coesa que trabalha em equipe é sentida quando todos se tornam mais próximos a cada episódio. Isso permitiu que nascesse um sentimento romântico genuíno e respeitoso entre Peralta e Amy Santiago (Melissa Fumero) que, se era um passo óbvio a ser tomado, foi feito com louvor. Ele convence não só na química entre os atores como no texto que mostra como a intimidade entre eles foi se desenvolvendo naturalmente e sem pressa.
Santiago, aliás, é outra ótima personagem. Sua dedicação excessiva a regras e a pressão que impõe a si mesma poderiam torná-la apenas irritante, mas a série e a atriz conseguem desenvolvê-la de maneira a usar suas características para o humor sem perder a sensação de que há uma pessoa ali que sofre de verdade. Este ponto é fortalecido por seu relacionamento com Peralta, com quem aprende a relaxar e achar um equilíbrio que a ajudará num novo posto que assume durante esta temporada.
Se Peralta teve uma jornada de ser um cara que percebeu que os relacionamentos a sua volta são mais importantes do que tentar resolver tudo sozinho como seus ídolos, o mesmo pode ser dito da evolução de outros personagens, mas cada um a sua maneira. Diaz cada vez mais aprende a se conectar com outros e consigo mesma, resultando numa descoberta sobre sua sexualidade. Tal evento é tratado com uma naturalidade exemplar pela série, mas sem deixar de tocar nos pontos espinhosos de preconceito. Hitchcock (Dirk Blocker) e Scully (Joel McKinnon Miller) passam de tolos irritantes para tolos cativantes, e Gina (Chelsea Peretti) gradualmente passa a usar suas habilidades de virar qualquer situação a seu favor para ajudar os colegas.
É necessário destacar também como os roteiristas conseguem lidar com um personagem como Boyle (Joe Lo Truglio), que em outra série teria textos mais pobres, facilmente tratando-o apenas como um alvo de ridicularização por ser emocionalmente dependente. Aqui suas peculiaridades ganham camadas humanas dignas, embora inusitadas. Outro que merece grande destaque é o Holt de Braugher. Seu personagem tem como característica a piada recorrente de que não expressa emoções, mas o ator é magnífico em usar isso para fazer a comédia render. Ele consegue não só passar a imponência e respeito de seu cargo, mas também sincero carinho por aqueles que ama, mesmo com suas expressões impassíveis. É facilmente um dos melhores personagens da série.
Não se pode ignorar também o uso da figura gigantesca e musculosa de Terry Crews (“Deadpool 2”) como o sargento Jeffords, que espelha a quebra de paradigmas pela qual Peralta passou. À primeira vista, se imagina justamente um policial durão e sem escrúpulos, mas Crews abrilhanta o texto que subverte esse símbolo, entregando um personagem que de fato leva seu trabalho a sério, mas não tem receio algum em demonstrar seu amor pelas filhas pequenas e explorar suas inseguranças. É o maior exemplo de como a série trata de masculinidade de maneira saudável.
“Brooklyn Nine-Nine” mereceu ser resgatada. Apesar de um season finale que poderia muito bem ser o fim da série, ainda não temos o bastante dos detetives da delegacia mais legal de Nova York. Se são bobos o bastante para brincar entre si, como nos já clássicos episódios de Halloween (o final deste é ótimo), também levam seu trabalho a sério e procuram ser íntegros em seu comportamento. Acompanhar seus personagens se desenvolvendo e amadurecendo ao longo das cinco primeiras temporadas é um absoluto deleite regado com pitadas de humor e emoção que conquistam o público e nos levam a celebrar junto com eles quando gritam “NINE-NINE!”.