Um drama francês com um toque de comédia que vai lhe fazer repensar se realmente vale abdicar até sua própria sanidade mental para atingir o sucesso ou para viver um sonho que não é seu.
Vemos o cinema criar histórias que impactam diretamente o nosso emocional, tramas que mexem naquela ferida que sabemos que existem, que doem, mas que ignoramos e fingimos que não existem. “Primeiro Ano”, escrito e dirigido Thomas Lilti toca em mais dessas feridas que a cada ano que passa vemos mais presente em nossa sociedade. A rotina louca e insana de estudantes prestes a ingressar na universidade é retratada de forma elegante e com boas doses de ironia que tiram um pouco do peso do assunto.
Benjamin (William Lebghil) acaba de sair do ensino médio e está pela primeira vez tentando entrar na universidade. Seu pai é um famoso cirurgião, seu irmão também entrou para medicina e ele se vê na obrigação de seguir os mesmos passos da família. No primeiro dia de aula, ele conhece Antoine (Vincent Lacoste), que pelo terceiro ano seguido tenta seu ingresso para o mesmo curso. Os dois são muito diferentes um do outro. O primeiro encara tudo como mera obrigação e procura sempre trilhar atalhos para chegar no seu objetivo, enquanto o outro é um jovem determinado a abdicar até sua própria sanidade para chegar ao pódio. Suas vidas, embora completamente opostas, se cruzam e eles tornam-se bons amigos. Porém, o companheirismo dos dois parece esvair à medida que o exame final se aproxima.
De antemão é bom ressaltar que a trama é tão particular que, no Brasil, esse filme não faria sentido se o olhar do espectador for de modo literal, tornando mais difícil criar uma ligação com a história. Isso porque o sistema educacional francês é diferente do Brasil, assim como o modo de seleção e o vestibular. Embora não precise de muito esforço para perceber que existem pontos na narrativa que você pode se identificar, pode ter vivido ou estar vivenciando o terceiro ano do ensino médio. Provas, pressão, estresses, noites em claros e revisões em transporte público conseguem segurar e fazer com que quem assista se identifique com a história do longa.
Um dos diversos pontos positivos de “Primeiro Ano” é o roteiro. Nele, Thomas Lilti consegue expressar esse momento delicado na vida de um jovem de forma muito lúdica e realista. O espectador consegue sentir a fragilidade, a linha tênue entre o companheirismo e a concorrência através dos atores. Eles, por sinal, são outro ponto alto do filme. A trama do longa se resume apenas nos protagonistas, eles tem todo espaço para crescer. Lá vemos William e Vincent em um tom perfeito. A química da dupla é notória e as atuações convencem. Isso também passa pelas mãos de Lilti, que consegue deixá-los soltos para serem eles mesmos e transpassar a difícil missão de escolher o futuro profissional mesmo só tendo 18 ou 20 anos.
“Primeiro Ano” apresenta um compromisso e uma crítica muito bem definida. Durante todo o seu roteiro não mede esforços para mostrar ao público que tudo na vida precisa de moderação, mas também não foge da leveza e elegância que domina o cinema francês. Nisso, o filme é ótimo. Junto às boas atuações, haverá momentos em que você estará suando frio como os dois personagens que conduzem a trama. O problema é o espectador compreender o confuso e distante sistema educacional francês e, como grande parte do filme se passa nele, gastamos muito tempo tentando nos habituar àquela realidade percebendo os detalhes da obra. Mesmo com esse impasse, o filme merece a chance de ser visto, a lição de que nem mesmo seus sonhos podem comprar sua sanidade mental faz bem para nossa sociedade atual.