Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 31 de agosto de 2019

Na Hora da Zona Morta (1983): boa premissa, má execução

Suspense desperdiça seu potencial com atuações medianas e argumento que poderia ser mais polido.

Uma das várias adaptações de Stephen King lançadas nos anos 80, “Na Hora da Zona Morta” segue a história de Johnny Smith (Christopher Walken, “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”), um professor de escola que está num relacionamento feliz com Sarah (Brooke Adams) e tem toda sua vida pela frente. Um dia, voltando da casa dela, ele sofre um acidente de carro que o deixa em coma por cinco anos. Ao acordar, Johnny descobre que Sarah agora está casada e que, através da sua experiência, ele adquiriu o poder de ver passado, presente e futuro da vida de qualquer pessoa que ele tocar.

Apesar de conter uma premissa interessante, o roteiro de Jeffrey Boam é bastante confuso. Não é mostrado (ou falado) o suficiente da vida de Johnny ou de seu relacionamento com Sarah antes do acidente, e o filme só consegue construir uma empatia superficial pelo protagonista, que sentiríamos por qualquer personagem que passasse por tal situação. Na verdade, durante toda a narrativa, a construção de Johnny não é muito abrangente. Não descobrimos nada sobre sua personalidade além do básico: que ele gosta de ensinar, e de Sarah. Dessa forma, grande parte das atitudes que ele toma são inesperadas, mas não de uma forma interessante, e sim que não fazem muito sentido. As causas para certas ações parecem ser tomadas apenas para a história andar. Nesse aspecto, o personagem de Walken é bastante passivo: os pontos de virada da narrativa caem de bandeja no colo dele, e não são suas atitudes que os ocasionam (com algumas exceções, como no clímax do filme).

Uma cena que exemplifica bem esse comportamento confuso é quando o pai de um garoto vai pedir a ajuda de Johnny, para fazer seu filho sair da zona de conforto e ser uma criança mais sociável: não pelos poderes sobrenaturais do protagonista, mas sim suas habilidades como professor. O homem quer que Johnny, que dá aulas particulares apenas na própria casa, vá até a casa dele. Johnny afirma que só trabalha em casa e que isso é inegociável; o homem responde que se Johnny não for até a casa dele, não terá como ajudar seu filho. E assim, sem pedir ao menos um momento para pensar e sem grandes súplicas do pai do garoto, Johnny aceita imediatamente uma coisa que segundos atrás era “inegociável”.

Infelizmente, a atuação de Walken, que normalmente é muito boa, também não ajuda em um desenvolvimento maior ou melhor do personagem. Algo que pode muito bem ter a ver, ainda, com a ineficiência do texto. Johnny diz muito o que está sentindo, mas dificilmente vemos isso traduzido nas suas expressões ou no modo de agir. Até mesmo os momentos onde o personagem “explode” para falar de suas frustrações não vem carregados de emoção, e as cenas onde ele usa seu poder e reage às visões são até um pouco cômicas.

A narrativa também peca em outros momentos: alguns personagens além de Johnny tomam atitudes sem embasamento narrativo e mudanças bruscas acontecem sem muita explicação. Existe uma longa cena que parece bastante desconexa do resto do filme, pois parte do ponto de vista de um personagem que foi introduzido apenas na segunda metade da história, quando até aquele ponto (e depois) acompanhamos todo o resto da narrativa através do protagonista. Provavelmente tal cena foi inserida para demonstrar a índole do personagem em questão, algo totalmente desnecessário, pois seu caráter se torna bastante perceptível ao decorrer dos acontecimentos restantes. “Na Hora da Zona Morta” quebra a estrutura narrativa comum, mas não necessariamente para o bem da obra como um todo: ela tem a mesma sensação de uma série de TV onde em cada episódio o personagem principal trata de casos isolados, com uma trama não muito forte que permeia entre eles.

O filme tem seus méritos, um deles sendo a boa atmosfera que é construída, principalmente pela ótima trilha sonora de Michael Kamen, uma das melhores partes do filme e que complementa muito bem o tom da história, assim como a cinematografia de Mark Irwin, onde predominam os tons frios. Johnny está quase sempre de preto enquanto outros personagens raramente usam a cor nos seus figurinos, para assim demonstrar visualmente como ele é diferente das outras pessoas.

Além disso, bons dilemas morais são apresentados, podendo fazer a audiência refletir sobre como agiriam se estivessem em tais situações. David Cronenberg (“A Mosca”), diretor do longa, soube muito bem trabalhar esses aspectos positivos no que é considerado por muitos o seu filme mais acessível. No entanto, com um vilão bastante previsível e um clímax que não conversa bem com o resto da história, “Na Hora da Zona Morta” talvez não seja uma obra essencial para quem quiser conhecer mais as adaptações do mestre do horror para o cinema.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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