O suspense tem protagonistas adolescentes numa trama nostálgica que funciona primeiro como drama, depois como filme de terror.
“Verão de 84” não pode ser visto por uma audiência comum desavisada. Este não é seu clássico filme de terror dos anos 80 refilmado. Nem mesmo a divertida nostalgia é o exato propósito central como o título pode sugerir. O sentimento pode até acontecer já que o longa tenta emular a memória afetiva ao localizar a história 35 anos atrás do seu lançamento. No entanto, o thriller pende mais para o drama de maturidade (gênero “coming of age”) e somente salpica sua história com tons de terror. Para entender melhor, vamos à ela.
Davey Armstrong (Graham Verchere) é um menino de quinze anos naquela fase em que você é jovem demais para ser adulto, mas velho demais para ser criança. Ele vive com os pais num subúrbio norte-americano e narra sua própria experiência neste “Verão de 84” quase como Kevin Arnold faria na série “Anos Incríveis”. Davey tem uma inclinação às teorias conspiratórias e seu quarto é repleto de manchetes sensacionalistas coladas na parede. Naturalmente, o garoto fica entretido com a notícia de que um serial killer matador de adolescentes está em ação nas proximidades. Mais que isso: ele começa a suspeitar que o assassino pode ser seu vizinho policial.
Dirigido por três cineastas (François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell), a atmosfera nostálgica não funciona tão bem quanto na série “Stranger Things” e é impossível não fazer a comparação. As “obrigatórias” cenas de convívio com os amigos, seja andando de bicicleta ou brincando pelo bairro com lanternas e walkie talkies, parecem forçadas já que de certa maneira viraram clichês. A trilha com os sintetizadores comuns da época não é nem um pouco sutil. A todo tempo o filme busca uma oportunidade para usar essas composições musicais, cansando os ouvidos do espectador. Algo sonoramente parecido foi feito em “Corrente do Mal”, só que muito melhor.
No entanto, é nesse convívio com os amigos, com a família e com a vizinha sedutora que “Verão de 84” encontra sua alma. A câmera prefere acompanhar esses personagens e seus problemas particulares a desenvolver o suposto mistério principal sobre a identidade do assassino. Divórcios, abusos e depressão dos pais são assuntos recorrentes entre os personagens adolescentes. O filme dedica tempo para oferecer pinceladas fortes destes dramas secundários que nada têm a ver com a trama principal. Logo, a criação dessa atmosfera de amadurecimento, em que os garotos começam a enxergar problemas adultos ao mesmo tempo que lidam com hormônios e o possível vizinho assassino, é o coração do filme. Para desenvolver esse drama, pouco importa localizar a história nos anos 80, por isso a nostalgia quando aparece é secundária à obra.
Como thriller, “Verão de 84” se parece com o clássico “Janela Indiscreta”. Porém, é preciso entender que esse lado do suspense pode atrair um público não interessado em vê-lo em segundo plano atrás de um drama adolescente. O filme tem excelentes méritos neste cenário, inclusive por arriscar mudar drasticamente o tom no desfecho da história – os diretores foram bastante ousados ao deixar espectadores com um gosto inesperado na boca ao final. Porém, não é o tipo de filme de terror popular como fãs de “Stranger Things” talvez queiram ver. O mestre Stephen King trabalhou sentimentos parecidos em seu livro “Joyland”, misturando nostalgia, serial killer e amadurecimento numa mesma história. Algo semelhante é feito aqui e merece ser apreciado pela certa originalidade, mesmo que não agrade os desavisados.