Com visual impressionante, filme exalta o trabalho artístico de mestres como Jim Henson e Frank Oz.
No planeta Thral, o cristal que dá vida a tudo rachou há 1000 anos, mesma época em que duas raças apareceram, os malignos Skesis, sedentos por poder; e os austeros Místicos, que procuravam viver em harmonia. Com apenas dez de cada espécie restando, os gananciosos abutres bípedes controlam o cristal e o castelo em que se situa, enquanto os pacíficos corcundas de pescoços longos enviam Jen, seu filho adotivo humanóide de outro povo, os Gelflings, para encontrar o fragmento perdido do cristal para que Thral retorne ao mundo cheio de vida e natureza de outrora. Aqui temos o pano de fundo para a trama do filme “O Cristal Encantado”.
Dirigido por Jim Henson e Frank Oz, ambos com históricos de pesado envolvimento com efeitos práticos e marionetes o longa não possui um ser humano sequer. Todos em tela são criaturas operadas com uma mistura de habilidades manuais e animatrônicos, exaltando o trabalho fantástico dos autores ao longo de suas carreiras. Tendo trabalho juntos em “Rua Sésamo” e “Os Muppets”, criando e desenvolvendo personagens e controlando-os com suas habilidades títeres, os dois eram mais do que credenciados para um projeto deste tipo. Henson, aliás, criou o sapo Kermit (anteriormente chamado de Caco no Brasil) e Oz foi o responsável pelos movimentos e voz de ninguém menos que Yoda na franquia “Star Wars”.
O fato de não haver atores humanos em cena (salvo por uma ou outra filmada a distância em que anões estão vestidos como os personagens) não só traz o elemento de fantasia com grande peso, como resulta em homenagem aos títeres envolvidos, chegando ao ponto de ter cada personagem creditado para duas pessoas, o ator de voz e o artista manual. Por exemplo, o protagonista Jen é interpretado pelo próprio Henson, mas foi dublado por Stephen Garlick (“The Hostages”).
A criação de mundo é monumental. Além das inúmeras criaturas diferentes, os cenários parecem vivos e orgânicos. A dedicação para que tudo parecesse real rendeu ótimos frutos, mesmo com personagens por vezes tendo que ser controlados por um grupo de pessoas ao mesmo tempo, e outros que foram produzidos por uma miríade de técnicas. Há artistas em figurinos, animatrônicos controlados por cabos, varas e até sinais de rádio que convencem em respirar, e pequenas criaturas movidas a motor. O desafio se provou maior nos Gelfling, os seres mais parecidos com humanos do longa. Quanto a suas expressões faciais, o filme não envelheceu bem, mas é difícil não se impressionar com a qualidade técnica e visual apresentada numa obra audiovisual do início da década de 80. Outro obstáculo foi com os gigantescos insetóides Garthim, cujas carapaças eram tão pesadas (por volta de 32kg) que era necessário pendurar os títeres a cada cinco minutos para que pudessem descansar. Até os Místicos representaram grande dificuldade, pois os atores precisavam andar curvados com seus braços direitos estendidos, onde suportavam o peso da cabeça desses seres. O próprio Henson interpretou um e só conseguia segurar a posição correta por poucos segundos.
Não se pode dar todo o crédito ao visual do filme apenas para Henson e Oz, ainda mais quando a produção gravitou em torno do trabalho do ilustrador Brian Froud, que criou cenários incríveis e foi parte integral do processo de decisão de cada aspecto visual do longa. Interessante notar que a história nasceu por acaso, pois Henson havia encomendado artes conceituais do artista para um filme que seria chamado “The Dark Chrysalis” (“a crisálida negra”, em tradução livre), mas Froud entendeu o nome errado como “The Dark Crystal” (“o cristal negro”, nome original do longa) e criou diversos designs sob este conceito. Felizmente, os diretores amaram a ideia acidental.
Quando se fala de roteiro, algumas falhas se tornam nítidas. Jen parte em sua jornada devido a uma profecia antiga e o faz se perguntando vários elementos que poderiam ter sido facilmente respondidos pelos Místicos. A demora do protagonista em se mancar do que precisa fazer no final das contas irrita por ser óbvia desde o início. O ritmo é lento, o que não é ruim, pois a história pede isso em vários momentos, mas o texto sofre quando há excesso de diálogos expositivos e personagens que precisavam de mais profundidade. Entretanto, a pegada mais sombria para o público infantil funciona. De acordo com Oz, as intenções de Henson eram de “voltar às trevas dos contos de fada originais dos irmãos Grimm”, pois o próprio acreditava que as crianças precisavam aprender a lidar com o medo.
O longa quase não foi lançado, pois a ITC Film Entertainment, produtora original dona do filme, foi vendida a um empresário que não tinha fé no sucesso da obra. Entretanto, a dedicação de Henson com o projeto foi tamanha que ele gastou seu próprio dinheiro para comprar os direitos do filme e bancar seu lançamento. No fim das contas, o orçamento de 15 milhões de dólares foi facilmente pago quando as bilheterias renderam mais que seu dobro.
Dirigida por Henson e Oz, o primeiro se concentrava em movimentos de câmera e composições de cena enquanto o segundo ditava as dinâmicas entre os personagens e seu desenvolvimento. Também houve a acertada decisão de filmar com uma iluminação posicionada em frente à câmera para dar uma atmosfera mais etérea e mística ao filme, resultando num clima mais fantasioso que trazia à vida as pinturas originais de Froud. O trio voltou a trabalhar junto em outro clássico de fantasia dos anos 80, “Labirinto: A Magia do Tempo”.
“O Cristal Encantado” pode não ter um roteiro tão tecnicamente polido quanto seus vários elementos visuais, mas ainda assim é uma bela aventura infantil, que fez com que um time criasse animatrônicos inovadores que revolucionaram a indústria cinematográfica de Hollywood.