Série se destaca ao imaginar um futuro próximo em que nossas escolhas políticas afetam de maneira decisiva o mundo que vivemos. Nada mais atual.
Para tentar entender os dias atuais, costumamos recorrer aos acontecimentos do passado numa lógica que procura explicar erros e acertos da trajetória humana ao longo dos anos. Para entendermos como a política mundial se divide hoje, por exemplo, nada melhor do que estudar a Segunda Guerra Mundial, evento crucial para a história do mundo. Avançando um pouco no tempo, mas ainda relacionado com a Segunda Grande Guerra, ou as consequências dela, temos o caso atual na esfera televisiva da série “Chernobyl”, uma analogia perfeita com as mentiras e graves falhas omitidas da população soviética, mostrando um claro recado sobre os custos da negligência sobre o meio ambiente. Invertendo a lógica, agora olhando para o futuro para explicar nosso presente, a série da HBO “Years and Years”, se torna uma obra contemporânea como poucos produtos televisivos, dando pistas e imaginando um futuro terrivelmente possível.
Produzida em parceria com a BBC, a série foca sua história na Inglaterra. Ela começa em 2019 e, como diz em seu nome, avança rapidamente para o futuro mostrando as consequências sociais e econômicas das escolhas políticas da população para a Grã-Bretanha e também para o resto do planeta, sempre mantendo a coerência com nosso mundo real. A série não imagina tecnologias utópicas ou revolucionárias (nada de carros voadores), e sim redes sociais mais presentes e questões como alimentação e tratamento da saúde mais eficientes.
Saindo da esfera macro, somos apresentados aos Lyons, uma família de Manchester marcada pela diversidade, na busca por sobreviver a essas mudanças cada vez mais rápidas e surpreendentes. Já com o peso dos anos nas costas, e tentando se adaptar a modernidade, a avó da família, Muriel Deacon (Anne Reid, “Boneco de Neve”), é quem dá coerência e serve como elo para seus quatro netos. O mais velho, Stephen Lyons (Rory Kinnear, “Brexit”), trabalha no mercado financeiro. Daniel Lyons (Russell Tovey, “Quântico”), um funcionário público do sistema de habitação inglês, é gay e possui uma relação estável com seu companheiro, que passa por uma reviravolta mais à frente. Rosie Lyons (Ruth Madeley, “Brexit”), é uma cadeirante e chefe de cozinha, e Edith Lyons (Jessica Hynes, “Paddington 2”), uma ativista política que viaja o mundo no combate a injustiças sociais.
Pelos olhos desses personagens e conforme os anos vão passando – a série termina em 2031 – sentimos os impactos das mudanças com a eleição de líderes populistas ao redor do globo. Nesse futuro, Donald Trump nos Estados Unidos e Vladimir Putin na Rússia, por meios antidemocráticos – parecendo ser democráticos – se perpetuam no poder, trazendo o risco constante de guerras comerciais ou ameaças de conflitos armados, nada muito diferente de hoje. A explosão de uma bomba nuclear americana em uma ilha em território chinês, por questões comerciais, traz o risco de uma Terceira Guerra Mundial e abala todos, principalmente os Lyons e especialmente Edith, perto de onde a bomba foi enviada, em mais um de seus protestos.
Olhando especificamente para a Inglaterra, em um cenário pós Brexit com a consequente saída da União Europeia, vemos uma população desorientada se agarrando ao discurso de políticos populistas. Vivienne Rook (Emma Thompson, “MIB: Homens de Preto – Internacional”), uma empresária responsável por fundar um partido chamado Quatro Estrelas, tenta se desvincular dos políticos atuais e é abraçada pelos britânicos, galgando cargos na política do Reino Unido até se tornar Primeira Ministra do país.
O principal mérito de “Years and Years” está na forma como ela dialoga com sua audiência. Sua narrativa firma os pés no chão para mostrar como a tecnologia pode afetar nossa vida. Bethany Bisme-Lyons (Lydia West), filha de Stephen e Celeste (T’Nia Miller, “Obediência”) chama os pais para uma conversar e diz se identificar como trans. Os pais a confortam e dizem não ver problema em ela ser transgênero, mas ela os corrige dizendo querer ser transumana e se desfazer do seu corpo para viver na nuvem, de forma imortal.
Imigração, problemas climáticos, quebra do sistema financeiro, desemprego massivo, segregação velada entre bairros pobres e áreas ricas, todos esses problemas são narrados pela série. Stephen Lyons, após perder mais de um milhão de libras esterlinas em razão da falência do sistema bancário inglês, assume cinco empregos diferentes para sustentar a família. Em um deles, por meio de um aplicativo, deve fazer entregas dos mais diversos tipos de produtos. Atual, não? Nesse futuro nebuloso cada vez mais dependentes da tecnologia, que se mostra também como uma faca de dois gumes, e dado o desemprego gerado, vemos em determinado momento um cenário não imaginado para o futuro, com jornais e documentos voltando a ser impressos em papel já que as constantes quedas de energia impedem o uso de tablets e computadores.
“Years and Years” não oferece efeitos especiais revolucionários, nem atuações brilhantes apesar de ter um bom elenco, destaque para Emma Thompson com sua ótima Vivienne Rook. Curta, com apenas seis episódios, a série da HBO e BBC brilha e acerta muito nas temáticas levantadas, conseguindo ser interessante e contemporânea em tempos cada vez mais difíceis de prender a atenção da audiência, dissipada entre tantas opções do que fazer no tempo livre. Assistir ao show serve como recado para o nosso futuro e sobre nossas escolhas. Estamos muito longe dessa realidade?