Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 10 de abril de 2019

1964 – O Brasil entre Armas e Livros (YouTube, 2019): o que é a verdade?

Documentário da iniciativa Brasil Paralelo se equilibra na linha tênue da história, e coloca ainda mais em xeque a existência da imparcialidade.

“Quid est veritas?”, traduzindo do latim, “Que é a verdade?”. A famigerada pergunta de Pilatos a Jesus no momento do interrogatório do homem que estava injustamente sendo condenado à morte repercute até os dias de hoje. A resposta do Cristo naquela ocasião foi apenas um olhar. Será essa, então, de fato, a verdade? Um olhar? Se for, o grupo Brasil Paralelo busca trazer no mínimo um olhar mais profundo para o delicado período da ditadura militar, com o documentário “1964 – O Brasil entre Armas e Livros.

As produções do Brasil Paralelo são inegavelmente muito bem feitas e tecnicamente competentes. Com um trabalho iniciado em 2016, a iniciativa busca apresentar uma visão histórica do país não muito comentada na academia brasileira. E seu trabalho mais recente se aprofunda no período da ditadura militar, que teve seu pontapé em 1964.

O documentário não se prende apenas ao Brasil, vide que todo o ocorrido é muito mais complexo do que apenas os fatos que aconteceram aqui. A narrativa começa desde a Segunda Guerra Mundial, e vem apresentando ao longo dos anos todas as influências, de ambos os lados.

É importante mencionar aqui a maneira como é construído o documentário. O Brasil Paralelo teve sua obra prejudicada muito devido ao rótulo de pró-ditadura, o que o próprio nega, acusando aqueles que assim o chamam de mal se darem o direito de assistir ao longa. Mas se faz necessário analisar, dentro da obra, como a trilha sonora acompanha toda a história, dando um ar vilanesco para um lado, e heroico para outro. Ainda que neste último não seja tão claro assim, é um aspecto que abre brecha para perspectivas equivocadas – justamente num momento onde a interpretação do brasileiro em geral é tão questionada. O jogo de cores entre azul e vermelho contribui para isso também. É aqui que o documentário praticamente atesta a sua parcialidade.

Mas se na técnica há essa aparente tomada de lado da situação, as entrevistas não se mostram tão definidas assim. Como já era esperado, não há no elenco de entrevistados alguém que tenha relevância dentro da academia, afinal, como já foi dito, o documentário busca apresentar uma visão não mostrada com clareza. Tal fato, porém, não tira a credibilidade dos argumentos, dados por intelectuais brasileiros, e estrangeiros que viram o crescimento do comunismo em seus países.

A grande questão que “1964 – O Brasil entre Armas e Livros” deixa é: não é necessário – e tal ato é impossível, se deixar que a história seja contada por si própria! – afirmar que não houve ditadura para concordar também que o movimento contrário foi bárbaro. Inocentes foram mortos por ambos os lados. E a obra questiona o motivo dessas guerrilhas serem tão veladas na história contada. E voltamos aqui a pergunta inicial: quid est veritas? Quem conta a história?

É importante, e isso faz bem o roteiro, analisar a situação investigando as circunstâncias da época. O mundo inteiro estava ideologicamente dividido. E se a Guerra Fria foi um conflito sem embates diretos, em alguns países sua temperatura foi bastante elevada. Era apenas uma questão de tempo até que as influências azuis e vermelhas chegassem até um país de dimensões continentais e com tantas fronteiras como o Brasil. Houve uma tentativa de proteção, contudo eram necessárias as guerrilhas? Não podemos saber, mas o fato é que aconteceram. Assim como aconteceu também o AI-5, e ele foi necessário?

De um lado, tivemos os absurdos da violência militar que tomou o país. E o outro soube responder muito bem a isso com a hegemonia cultural. Fatos são imutáveis, e o máximo que podemos fazer é buscar um olhar justo sobre eles, e dentro das circunstâncias atuais, aprender com cada erro cometido. O pêndulo bate forte de um lado, e logo o outro ganha força. E que maneira de fazer parar o pêndulo, senão puxando os dois lados? Sem jamais esquecer que não existe espírito absoluto, mas somos cada um de nós indivíduos únicos e humanos.

“1964 – O Brasil entre Armas e Livros” se equilibra em uma linha tênue, e é visível que tende para um lado. Lado esse que precisa consertar seus erros e ser visto de outro modo, afinal, somos todos passíveis de erro. E quando enfim abrirmos uma visão periférica, responder a pergunta da maneira mais justa possível: quid est veritas?

João Victor Barros
@jotaerrebarros

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