Refilmagem plano-a-plano do original chileno, a versão americana vale o ingresso por mais uma atuação comovente de Julianne Moore.
O filme original “Gloria” data de 2013 e foi estrelado por Paulina García, extensamente premiada pela atuação, incluindo no Festival de Berlim daquele ano. Agora, a refilmagem americana “Gloria Bell” traz o mesmo diretor e firma a parceria entre os chilenos Sebatían Lelio, que também conhecido pelo fabuloso “Uma Mulher Fantástica” (2017), e Pablo Larraín, dos excelentes “No” (2012) e “O Clube” (2015), prometendo mais produções hollywoodianas conduzidas por latino-americanos.
Na adaptação para o preguiçoso mercado anglófono, que não gosta de legendas, Gloria Bell é vivida por Julianne Moore, vencedora do Oscar por “Para Sempre Alice” (2014), uma funcionária burocrática por volta dos 50 anos, divorciada e mãe de dois filhos adultos que preenche suas noites solitárias (as “lonely nights” remoídas ao som de Paul McCartney) com aulas de yoga, terapias em grupo e, especialmente, indo dançar. O espírito livre de Gloria, ainda que some à angustiante solidão problemas com o vizinho e instabilidades no emprego, é o que torna a personagem tão comovente. A mão boa de Gonzalo Maza, que assina o argumento, dá às atrizes que a interpretaram a completude que as boas personagens devem ter.
Sebástian Lelio e Alice Johnson Boher, que assinam o roteiro, exploram as atividades mais comezinhas da mulher, um pouco à la Chantal Akerman (de “Jeanne Dielman, 23, rua do comércio, 1080, Bruxelas”, de 1975), a conhecida diretora belga por seus longos planos e olhar detido aos nossos atos mais banais. As escolhas estéticas de Lelio, porém, outrora criticadas pelo “tom excessivamente formalista – quase apático” em “Uma Mulher Fantástica”, cabem perfeitamente aqui para compor o tom elegante e corriqueiro com que se retrata a vida dessa mulher. Alguns planos muito inspirados, que utilizam corajosamente do corpo despido de sua protagonista de meia-idade, são como que presentes de uma boa direção, lindamente adornados por cenários de muito bom gosto.
Embora perca um pouco do charme da ambiência de Santigo, no Chile, onde a história original se passava, a adaptação americana nos dá um saboroso terceiro ato em Las Vegas, a que Gloria é levada por seu date um tanto quanto duvidoso – vivido com muito carisma por John Turturro (de “Transformers: O Último Cavaleiro “). Assim, os mesmos elementos que funcionaram muito bem na história original, voltam a render uma boa narrativa, imersiva o suficiente para fazer com que nos importemos com a jornada de Gloria em cada um de seus atos comoventes, apaixonados ou desesperados: a chamada encarecida aos filhos distantes, as noites de dança, o encontro com o ex-marido, a vingança ao namorado babaca, todas essas são ocasiões bem construídas para nos fazer refletir sobre o valor da busca incessante por felicidade. Não é porque essa mulher hoje já está mais velha, ou porque seus filhos já estão crescidos, que a felicidade não pode ser um horizonte. Como diria Nietzsche: “Ter fé é dançar na beira do abismo” – e essa inesquecível personagem mostra que o importante é se jogar.