Documentário critica sociedade americana ao mostrar histórias de pessoas em busca de reconhecimento por meio de gastos abusivos.
Um dos ramos das Ciências Sociais, a antropologia tem como objetivo primário o estudo do ser humano, comparando a cultura de diversos povos e propiciando assim uma visão mais ampla sobre a forma de vida deles, principalmente tribos que moram em regiões remotas da terra. Assim, a antropologia nos permite pensar sobre diversidade e contextos no qual são produzidas determinadas culturas. Investindo seu olhar antropológico acerca do povo americano, a fotógrafa e diretora Lauren Greenfield (“A Rainha de Versalhes”) usa parte do seu trabalho fotográfico – mais de 20 anos documentando a vida da alta sociedade americana – um material já com viés crítico e satírico, para produzir o documentário “Generation Wealth” (“Geração Riqueza”, em tradução livre), onde não poupa esse mesmo olhar crítico para retratar os absurdos trazidos pelo consumo desenfreado dos EUA.
Produzido pela Amazon Studios, o documentário mostra os excessos da cultura americana, compartilhada em grande parte do mundo em decorrência da globalização, na qual estilos de vida insensatos, movidos a muito dinheiro, levam à compra de imensas casas, supercarros e os mais supérfluos tipos de gastos, sempre com a intenção de impressionar o próximo. Lauren apresenta, por meio de interessantes personagens – da mãe que transformou a filha em modelo a mulher que destruiu o corpo por meio de cirurgias plásticas mal sucedidas –, a história da obsessão por riqueza e status social por parte da população americana, o principal combustível responsável por mover a economia do país.
“Generation Wealth” usa como fio condutor da sua narrativa as histórias de vida de jovens ricos em Los Angeles nos anos 90, um dos inúmeros trabalhos fotográficos de Lauren. Passamos a conhecer o destino de muitos daqueles personagens, que naquela época possuíam um estilo de vida extravagante, e se tornaram agora pais de famílias questionadores do seu comportamento anterior, muitas vezes envergonhados de alguns dos atos do passado. Abrindo espaço para análises sociológicas, vemos como e por que o sonho americano se transformou na busca de fama, fortuna e status social a partir dos anos 1970. Parte da culpa é atribuída à TV, responsável por vender um mundo irreal onde todos um dia podem ser ricos.
Tratamentos cosméticos, com imagens chocantes de cirurgias plásticas mal realizadas (e até as bem-sucedidas), cultura que valoriza a pornografia, garotas transformando seus corpos em busca de reconhecimento masculino ou da mídia, também fazem partes dos relatos exibidos no documentário. Essas histórias, algumas delas surreais, outras tristes, revelam o quanto os Estados Unidos vivem alienados sem conseguir separar a realidade da ficção trazida por redes sociais e pela TV. Indo além, Lauren expande seu trabalho, indicando casos semelhantes de consumo excessivo e luxuoso em outros países – destaque para a Rússia e a China, até pouco tempo atrás comunistas, que aproveitando a liberação econômica recente, fizeram surgir uma nova elite de milionários ávidos pelo consumo e por ostentação.
“Generation Wealth” acerta ao questionar os valores americanos atuais ao contrastar esses mesmos valores com a história da sua diretora. Quase autobiográfico, mostrando sua trajetória profissional e pessoal, podemos comparar as histórias exibidas com o caminho de vida percorrido pela família de Lauren Greenfield, onde as bases sólidas e de forte tradição acadêmica oferecem a imagem de uma prole unida e crítica da sociedade atual. O fato de seus pais, e a própria Lauren, terem estudado em Harvard, uma das melhores faculdades do mundo, passa uma forte mensagem para o público, inclusive dita pelo pai da diretora: “O verdadeiro sonho americano é ir para a faculdade”. Ao mesmo tempo, vemos os filhos de Lauren criticando a postura workaholic (viciada em trabalho) da mãe, sempre sem tempo para ficar com eles, pois está sempre viajando a trabalho.
Sugerindo que essa nova cultura de consumo exacerbado foi uma das responsáveis pela eleição de Donald Trump, vemos em “Generation Wealth” uma crítica forte ao capitalismo excessivo, onde o pior pode acontecer quando o dinheiro se torna a resposta para quase tudo. Questionando esses estilos de vida e refletindo sobre eles, muitos dos personagens capturados pelas lentes de Lauren tornam a obra mais completa e imersiva. O principal erro do documentário está em afirmar de maneira arrogante que o capitalismo está destruindo a tradicional cultura americana. Uma análise antropológica mais atenta questionaria essa afirmação, perguntando se o capitalismo não está, na verdade, criando uma nova cultura. Se esta seria boa ou ruim, ai já é outra indagação.
Existe um sentimento de nostalgia em “Generation Wealth”, envolvendo um retorno aos valores antigos, onde a sociedade se desenvolvia e pessoas ficavam ricas, mas sem exibir seus bens para todos. A vida comedida, baseada nas ideias do protestantismo, religião no qual faz parte da maioria dos EUA, mostra-se um dos pilares da comunidade americana. As histórias do documentário podem ser chocantes em diversos sentidos, mas a principal mensagem transmitida é clara: consuma menos, não se exiba tanto, viva mais.
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