Clássico dos anos 1990 diverte o espectador com o humor negro de seu texto, uma porção de personagens caricatos e sua abordagem familiar.
1991. Mais um ano frutífero para o cinema, que viu o surgimento de uma coleção de clássicos. Da animação “A Bela e a Fera”, passando pelo romance inocente de “Meu Primeiro Amor”, o terror psicológico “O Silêncio dos Inocentes”, o drama “O Cabo do Medo”, a aventura de “Caçadores de Emoção”, até a ficção de “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final”. No meio de tantos filmes marcantes, existe um pouco comentado, provavelmente por não ter alcançado um sucesso estrondoso tanto em bilheteria quanto em crítica, mas que merece ser lembrado, visto e revisto. “A Família Addams” está longe de ter um roteiro primoroso – exibe uma porção de saídas fáceis para seus problemas e sua história é trivial -, só que conta com um elenco comprometido em encarnar aqueles personagens excêntricos, diálogos morbidamente shakespearianos e a grande sacada de não se levar nem um pouco a sério, e o resultado é uma produção deliciosa de ver.
Na trama, 25 anos depois do desaparecimento de Fester (Christopher Lloyd, “De Volta Para o Futuro”), após terem tido um desentendimento por conta de um caso amoroso, Goméz (saudoso Raul Julia, “O Beijo da Mulher Aranha”) ainda encontra-se arrependido e determinado a achar o irmão e trazê-lo de volta para o jazigo dos Addams. É quando aparece então a dupla de trambiqueiros, Abigail Craven e seu filho Gordon, cuja a semelhança com o Tio perdido gera uma grande oportunidade de aplicar um golpe nos Addams. Criada pelo cartunista Charles Addams na década de 30, essas figuras góticas ganharam notoriedade quando apareceram primeira vez na série homônima lançada em 1964. Mais tarde, em 1973, foi transformada em desenho a fim de se aproximar das crianças. Os personagens receberam outras adaptações, porém, nenhuma delas foi capaz de evocar o charme ou captar a essência como fez o filme de 1991.
A série em preto em branco e muito amadora não permite ao espectador um olhar mais apurado sobre os figurinos, as cores e a ambientação, assim como limita a expressividade dos intérpretes em cena. A primeira vez como animação também deixa a desejar, principalmente por conta de seus traços risíveis e nada inspirados. Já o filme acerta em quase todos os aspectos, e termina sendo uma aventura que sobrevive ao tempo, seja por seus ares de clássico, ou simplesmente por seu pano de fundo conversar sobre uma temática bem atual. O roteiro escrito por Caroline Thomson (“Edward Mãos de Tesoura”) e Larry Wilson (“Os Fantasmas se Divertem”) talvez seja um dos poucos defeitos da produção. Parte de uma premissa simples e discorre de maneira previsível, no entanto, a engrenagem que faz a narrativa se mover, tornando-a atraente e graciosa mesmo com tantas convenções de “Sessão da Tarde”, está no fato de que é uma fantasia cômica e os envolvidos no projeto a tratam como tal.
O elenco é irretocável e graças a ele a narrativa ganha em bom humor, morbidez e fluidez. Todos representam seus personagens com muito comprometimento e impõem a eles a graciosidade da melhor das caricaturas. Os provedores da família, Goméz e Mortícia são deliciosamente bem vividos pelos formidáveis Raul Julia e Anjelica Huston (“John Wick 3: Parabellum”), que exibem em tela uma química cativante, sendo ambos o ponto alto da narrativa. O roteiro, apesar de fraco, designa a eles diálogos teatrais e exageradamente poéticos que divertem com tanta breguice. O já veterano Christopher Lloyd como o Tio Fester-Gordon Craven brinca em cena, e somado a suas caras e bocas entrega uma atuação carismática. O mesmo pode se dizer dos rebentos macabros Pugsley (Jimmy Workman, “Melhor é Impossível”) e Wednesday (Christina Ricci, “Speed Racer”), o primeiro pouco aproveitado pelo então ator-mirim, servindo apenas de cobaia para os experimentos nada convencionais da garotinha nefasta que faz com que junto com ela, o espectador ache graça numa cadeira elétrica.
A câmera do diretor de Barry Sonnenfeld (da trilogia “MIB: Homens de Preto”) é ágil e transita com energia pela mise-en-scène, vide as cenas com o Mãozinha (Christopher Hart, “A Mão Assassina”), e acompanhando a montagem precisa de uma comédia juntas oferecem sequências empolgantes e burlescas, à caráter da narrativa. Impossível deixar de mencionar ainda o excelente trabalho do design de produção que evoca o fúnebre com seus cenários sombrios (a mansão sombria dos Addams digna dos melhores castelos mal-assombrados), a iluminação pontual, e a riqueza em objetos decorativos que impõem ao ambiente um clássico estilo medieval. Passagens secretas e um bem vindo cemitério como quintal não poderiam ficar de fora em se tratando dessa família, e nós agradecemos. “A Família Addams” é uma aventura competente, recheada de gags eficientes e um senso de humor peculiar. Uma caricatura fúnebre de “diferentões” cheia de graça.