A velha guarda do humor brasileiro é chamada a relatar suas subversões à Ditadura, e com isso nos faz (rir e) pensar nas potências dos nossos dias.
“Entre o riso e a lágrima há apenas o nariz” – essa frase sintética e brutal, que serve de epílogo ao documentário “Tá Rindo de Quê?“, é atribuída ao humorista Millôr Fernandes (1923-2012), sintetizando os longos e estranhos anos entre 1964 e 1985 em que o Brasil viveu sobre um regime militar. O período, marcado para muitos pela supressão das liberdades individuais e políticas, censura e perseguição, também foi um dos mais pungentes de nossa produção criativa, tanto na música, como pode ser visto no documentário “Uma Noite em 67” (2010), de Renato Terra; no teatro, como nos espetáculos das “Dzi Croquettes” recuperados pelo belo filme de Tatiana Issa e Raphael Alvarez (2009); e também no humor, como agora disponível através desse relevante e necessário documentário dirigido a seis mãos por Álvaro Campos, Alê Braga e do humorista Claudio Manoel (do “Casseta & Planeta”).
Com todos os maneirismos do gênero (entrevistas no estilo “cabeças falantes”, imagens de arquivo, recortes de jornal, etc.), o destaque da produção certamente não é sua direção, mas sim a capacidade de síntese com que reúne alguns dos principais produtos de humor de massa surgidos nos anos mais sombrios de nossa história política, quando estudantes, jornalistas e artistas tinham suas manifestações perseguidas e o quepe fardado era o mais alto símbolo de distinção social. Contenta e emociona ver, portanto, que em meio a infindáveis impossibilidades e restrições, os principais nomes criativos do país naqueles anos, alguns deles ainda vivos, como Jô Soares, Ziraldo e Carlos Alberto da Nóbrega, subverteram a moral impositiva dos militares, mostrando o quanto a liberdade é indomável.
“Um filme para fazer rir quando a situação não tinha a menor graça” – foi com esse espírito revolucionário, sem necessariamente politizar de forma literal a discussão, que surgiram alguns dos produtos mais inesquecíveis do jornal, rádio e TV brasileiras, como o semanário O Pasquim, iniciado em 1969 com alguns dos nomes mais potentes e talentosos do texto, como os jornalistas Tarso de Castro e Sergio Cabral, e dos traços, como os desenhistas Jaguar e o próprio Millôr, tornando-se símbolo da produção antirregime. Derivado do humor radiofônico, a televisão – que havia sido uma máquina importante de apoio ao golpe militar, como revela em entrevista o próprio ex-diretor da Globo, o Boni – também começou a abrir espaço para nomes que apostavam na sátira dos costumes para escancarar os anacronismos do país, como os primeiros esquetes de Chico Anysio em “Chico City” (1979) e a inesquecível “Família Trapo” (1968), na TV Record, lembrada pelas memoráveis cenas de Ronald Golias.
O documentário segue assim abordando sucessivamente algumas produções relevantes da época, e embora faça o recorte que lhe convém e certamente deixe de fora alguns nomes que também tiveram sua relevância, é muito bem sucedido ao apresentar um panorama bastante amplo sobre essas subversões da comédia. Ainda que alguns artistas do humor façam falta entre os entrevistados – cadê os relatos do Jô? – e outros não estejam mais aqui para serem ouvidos, é gostoso poder rever as cenas e caras que povoam o imaginário popular de todo brasileiro com mais de 25 anos. Assim, a velha guarda do humor nacional é aqui trazida de volta a vida, não apenas para falar sobre o passado, mas também, numa segunda camada, para nos fazer pensar nas potências do humor para os dias atuais. Segundo o icônico cartunista brasileiro Henfil, “a principal função do humor é dar porrada”. A partir disso, a pergunta que resta talvez seja, pensando nesses tempos de tantos rachas, crises e traumas políticos no Brasil contemporâneo, o quão forte o humor pode (ou deve) bater hoje em dia?
O filme também tem produção da Globo News e indica uma sequência, “Rindo à Toa”, apresentada depois dos crédito e que promete abordar a geração imediatamente posterior a essa dessa filme; nomes como Miguel Falabella e produções como a “TV Pirata” (1988) e o próprio “Casseta & Planeta” (1978) do diretor Cláudio Manoel, que compuseram a geração de comediantes da transição para um Brasil democrático, contarão suas histórias. Assim, resta-nos aguardar os risos porvir.