O longa de estreia da diretora Josie Rourke apresenta visuais belos e atuações no ponto envolvidas em uma teia de problemas.
Existem muitas características, sejam técnicas ou narrativas, que quando apresentam qualidades podem transformar um filme mediano em algo mais satisfatório. Porém, existem também os casos de longas feitos unicamente para brilhar em um atributo (uma categoria do Oscar, por exemplo), deixando todo o conjunto da obra de lado. Este é, infelizmente, o caso de “Duas Rainhas”, que apesar de visualmente belo e com algumas atuações consistentes, não encontra equilíbrio com um roteiro fraco e uma edição descomedida.
Nesta nova visita à história de Mary (ou Maria) Stuart, rainha dos escoceses, a figura histórica é interpretada pela atriz Saoirse Ronan (“Lady Bird: A Hora de Voar”), que traz juventude e empoderamento para a personagem. A primeira sequência já mostra o final da vida da monarca, rezando antes de ser levada para a decapitação (spoiler de 1587). A cena deixa claro que o que importa é seguir os passos de Mary e expor como ela passa do poder absoluto à morte impiedosa, sem surpresas – lembrando, claro, que obras ficcionais não são obrigadas a seguir os fatos históricos.
Logo em seguida, a narrativa começa de fato, quando a então rainha consorte da França, após a morte de seu marido, retorna ao seu país de origem para tomar seu lugar de direito. Quem estava no comando era seu irmão bastardo James, Conde de Moray (James McArdle, “Star Wars: O Despertar da Força”), porém Mary tinha o direito legítimo não só ao trono escocês, mas também ao inglês, outrora regido pela Rainha Elizabeth I (Margot Robbie, “Eu, Tonya”), sua prima e segunda rainha referenciada no título da produção. À partir daí, várias artimanhas e estratagemas políticos se desenrolam ora à favor, ora contra Mary e sua linhagem se tornarem herdeiros da Coroa inglesa.
Desde os primeiro minutos, fica claro que o foco de “Duas Rainhas” reside na estética, sobretudo no quesito maquiagem e penteados – não à toa a indicação ao Oscar da categoria. O departamento, comandado pela oscarizada Jenny Shircore (venceu em 1999 por “Elizabeth”), brilha em tudo: penteados com cabelos reais, perucas e maquiagem – especialmente da personagem de Robbie, acometida por varíola e sofrendo uma verdadeira transformação na pele. Contudo, se um filme se resumisse apenas a isso, provavelmente o Oscar seria uma premiação de videoclipes, e não de cinema.
O apreço artístico e visual é contrabalanceado pelo roteiro fraco e sem coesão, o que não deixa de causar estranhamento visto que o texto é assinado por Beau Willimon, conhecido pelas tramas políticas das primeiras temporadas da série “House of Cards”. A história parece nunca saber exatamente o que quer mostrar ou dizer, contradizendo aspectos que ela mesma referencia anteriormente. Sem falar na resolução instantânea de vários conflitos menores, que poderiam elevar a carga dramática da trama, mas perdem todo o seu propósito visto que acabam não implicando consequências diretas. Por exemplo, Mary é uma rainha corajosa dentro de sua corte, mas seu meio-irmão conspira contra ela, toma seu trono, e na cena seguinte já é perdoado por ela. São momentos que deveriam ter algum peso devido às circunstâncias apresentadas, mas que não se encontram graças a uma direção ineficaz nesse quesito da estreante Josie Rourke.
O ponto que mais se destaca, além do já citado visual, são as personagens principais, muito devido às atuações excelentes das intérpretes. Ronan traz uma Mary muito mais ativa e enérgica, aproveitando o alto de sua juventude para esbanjar confiança – por vezes percebida também como arrogância. Além de mostrar essa determinação necessária de uma mulher em estado de poder dentro de uma corte repleta de homens, a monarca também esbanja doçura e complacência com seus próximos, marcando a complexidade da personagem. Já a Elizabeth de Robbie é insegura com sua permanência no trono e tem sentimentos reprimidos, seja na própria atuação, seja em momentos como a demonstração seca de afeto com seu amigo Robert Dudley (Joe Alwyn, “A Favorita”), deixando claro que não confia de fato em ninguém. Tanto que parece até estranho (ainda que muito natural) quando ela se solta um pouco na companhia de seu conselheiro de confiança.
O título “Duas Rainhas” vende uma ideia errada de que ambas as monarcas dividirão o protagonismo da obra. Aqui, o título original (“Mary Rainha dos Escoceses”, em tradução livre) faz muito mais jus, afinal, grande parte da projeção é dedicada a contar a história da personagem de Ronan. Ainda assim, o ponto alto do filme é o encontro entre as duas (que diga-se, nunca aconteceu de fato), infelizmente atrasado demais para salvar uma produção que já apresentava sérios momentos de ritmo desde os minutos iniciais.
Com uma história conhecida e já retratada anteriormente, a obra não abre mão da liberdade de não seguir os fatos, focando em uma reconstituição que privilegie outros temas. Mas a inserção de empoderamento feminino, discussão sobre casamento, maternidade, mulheres em estado de poder, protestantismo vs. catolicismo e outras coisas torna impossível desenvolver tudo satisfatoriamente. E inserir tantas subtramas quando o assunto principal deveria ser melhor explorado (o tempo de tela dado a Robbie e à sua corte mostra-se irritantemente curto) é frustrante. Fica a lição de que quando um filme tenta brilhar em duas ou três categorias do Oscar, acaba esquecendo das outras vinte – que fique clara a metáfora.