Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Calmaria (2019): desperdício de elenco

Escrito e dirigido por Steven Knight, drama mergulha na confusão do seu próprio roteiro.

A maior parte da carreira de Steven Knight foi construída como roteirista, incluindo uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2004 com “Coisas Belas e Sujas”. Em 2013, lançou seus únicos dois filmes: “Locke” e “Redenção”, perpassando seis anos longe da direção até o projeto de “Calmaria”. E depois de tanta espera, é muito difícil entender como ele convenceu Matthew McConaughey (“A Torre Negra”) e Anne Hathaway (“Oito Mulheres e um Segredo”) a aceitarem participar deste drama/ficção científica.

McConaughey interpreta Baker Dill, o capitão do barco de pesca Serenity (título original do filme). Morando em uma ilha paradisíaca, ele ganha dinheiro levando turistas para pescar em alto mar, mas seu único interesse é capturar o Justiça, nome de um atum gigante que persegue há tempos. Após muitos anos sem manter contato, Karen (Hathaway), sua ex-esposa e mãe do seu filho Patrick (Rafael Sayegh, em seu primeiro filme), surge com um pedido de socorro e uma proposta: US$ 10 milhões em troca do assassinato do seu atual marido Frank (Jason Clarke, de “O Primeiro Homem”), um homem violento que abusa dela e de Patrick.

Knight tenta introduzir princípios inspirados em obras literárias, como “Moby Dick”, de Herman Melville, e “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, mas fica apenas na referência, e o resultado não chega nem perto da qualidade dos livros citados. O roteiro, que começa como um drama comum, aos poucos inclui elementos noir que não combinam com a proposta de ilha tropical.

O casal protagonista de “Calmaria” se esforça para propor esse mistério, mas não consegue. A primeira aparição de Karen beira à vergonha alheia. Ela entra no bar e sua aliança brilha para deixar muito claro que é casada. A câmera dá um giro de 180 graus (o diretor repete essa técnica algumas vezes ao longo do filme) e a atriz faz um carão para uma entrada triunfal: “Eu pago essa”. Dill, que está no bar, engole seco. É clichê e brega ao mesmo tempo.

Ao longo do filme, tudo começa a ficar cada vez mais estranho e cômico. Surge Reid Miller (Jeremy Strong, de “A Grande Jogada”), um executivo de terno e gravata que passa metade da trama tentando contar um segredo para Dill, mas ele consegue sempre chegar alguns segundos atrasado e é ignorado por todos. Depois da terceira ou quarta tentativa, começa a ficar engraçado, sem ter este propósito. Outro ponto ruim é a tentativa de mostrar a cada cena como Frank é um sujeito desprezível. Ele é machista, bate na mulher, trata mal as pessoas e ameaça com sua arma. Só faltava escrever uma legenda “vilão” toda vez que ele aparece.

No meio da trama arrastada, Knight gira o roteiro de ponta cabeça com um plot twist. A proposta é interessante, mas tudo muda tão rápido que não dá tempo de se importar por nenhum personagem. O terceiro ato é tão confuso e decepcionante que não dá tempo de se empolgar. “Calmaria” tenta ser profundo como o oceano, mas termina raso como uma piscina de criança.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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