A adaptação do livro de Paula Pimenta traz Maisa Silva e grande elenco para atualizar o conto de fadas para a geração da internet num inocente e divertido filme.
O tema “princesas” sempre reaparece de tempos em tempos e, quando acontece, há uma racha no público. Uns não aguentam mais os clichês românticos, enquanto outros correm para o cinema porque sabem exatamente o tipo de história que vão encontrar. É possível algum filme propor dar um abraço quentinho nos dois tipos de espectadores? Sem grandes pretensões, “Cinderela Pop” faz questão de não negar a fonte de inspiração, mas traz uma releitura atualizada, graciosa, de bom coração e que diverte até os mais críticos da comédia romântica adolescente brasileira.
Cíntia Dorella (Maisa Silva, “Carrossel: O Filme”) e Fredy Prince (Filipe Bragança, “Eu Fico Loko”) ainda não se conhecem quando narram o evento que cruza as vidas deles, mas que deixa uma cicatriz no caráter da protagonista. Os ricos pais de Cíntia, César (Marcelo Valle, “Tropa de Elite”) e Ana (Miriam Freeland, “Cine Holliúdy”), dão uma suntuosa festa para os amigos em sua mansão. Os responsáveis pela música, além da orquestra na qual Fredy é violinista, são o jovem DJ Rafa (Sergio Malheiros, “O Maior Amor do Mundo”) e a própria Cíntia, que preparou uma versão especial de Beethoven ao piano, mostrando sua habilidade criativa e, acima de tudo, sua personalidade, traços que César falha rudemente em reconhecer como pai. Antes fosse essa a pior lembrança da menina.
Com apoio das filhas gêmeas, Gisele (Kiria Malheiros, “Flores Raras”) e Graziele (Letícia Faria Pedro, “Detetives do Prédio Azul: O Filme”), Patrícia (Fernanda Paes Leme, “Cilada.com”), a ardilosa amante de César, faz com que seu caso seja descoberto na frente de todos, para então roubar o ricaço para si. O trauma despedaça toda a crença que Cíntia tinha no amor e endurece o coração da adolescente para as paixões. É assim também como pensa sua tia Helena (Elisa Pinheiro, “Os Farofeiros”) que, tempos depois, passa a cuidar da sobrinha no lugar de Ana, enquanto ela estuda no exterior. Listar todos esses personagens e suas relações iniciais seria exagero se não fossem eles os maiores responsáveis por acrescentar charme extra à criação da escritora Paula Pimenta. Este elenco, que ainda conta com Giovanna Grigio e Bárbara Maia, está um poço de carisma e encanto. Até mesmo a vilã, um dos melhores papéis da carreira de Paes Leme, é tão engraçada e natural que dá vontade de ter um filme só para ela.
Há um certo fenômeno em obras de elenco – ou ensemble -, grande e bem dividido em tela, como em “Podres de Ricos” e “Mamma Mia” por exemplo, que faz com que todos os coadjuvantes trabalhem mais leves e mais soltos que os protagonistas. É o que acontece em “Cinderela Pop” com Maisa e Filipe. Ambos são estrelas e ótimas escolhas para liderar o filme, porém, parecem estar presos em seus personagens, arriscando menos que os colegas. De qualquer maneira e no fim das contas, o casal dá conta do recado e sustenta bem o longa sem deixá-lo escorregar para o piegas. Não surpreende que este não seja o primeiro trabalho de ambos com o diretor Bruno Garotti (“Tudo por um Pop Star”), o responsável por dar o tom agradável da obra. Falando em tom, só uma sequência destoa do restante, a que se passa num quartinho com Cíntia e Patrícia (e faz uma rápida referência aos velhos cachinhos da Maisa apresentadora). Isso porque a cena deixa mais sombria a maneira que as duas se relacionam, mas se justifica como tentativa de acirrar as emoções.
À propósito, o grande conflito do filme é (quase) como no conto de fadas. Fredy se apaixona por uma Cíntia mascarada, a DJ Cinderela, e usa um sapato esquecido para tentar descobrir a identidade da garota. Tentando alavancar o status social da própria filha, já que Fredy se tornou o cantor romântico mais popular da internet, Patrícia abusa dos seus jeitinhos para convencer o rapaz que sua princesa é Graziele, sem medir esforços para prejudicar e manter calada a enteada. O “quase” vem do fato de que “Cinderela Pop” retrata uma nova geração de adolescentes, sensíveis a questões feministas e outras injustiças sociais, como o bullying e a gordofobia.
Em relação à narrativa, a sequência inicial da festa é repleta de cenas inventadas que só acontecem nos pensamentos dos personagens, mas esse truque de roteiro fica só na introdução e não volta a ocorrer depois. Como pontos positivos, a história consegue encontrar espaço para falar de temas secundários, como aceitação, redenção e amor próprio, e resolve com calma detalhes que parecem furos em potencial, como a bolsa de estudos que motiva Cíntia a trabalhar como DJ apesar do pai rico. Tecnicamente e para os olhos atentos, o filme também possui um tratamento de cores e direção de arte atraentes, que buscam dar um ar de fábula às cenas e às locações sem descaracterizar o contemporâneo na obra.
“Cinderela Pop” é mais uma boa adaptação de sucessos infantojuvenis do mercado editorial brasileiro. A receita do gênero teen nacional inclui, além disso, escalar estrelas pop do momento, como Kéfera Buchmann, Larissa Manoela e, aqui, Maisa Silva, para garantir bilheteria pelos fãs seguidores, quase como o “star system” de Hollywood. O que a adaptação de Bruno Garotti, apoiada no livro original de Paula Pimenta, acrescenta a essa equação é que seguir receitas também pode resultar em bons filmes.