Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Sobibor (2018): campo de sofrimento

Filme russo mostra o tormento e a revolta dos judeus aprisionados em campo de concentração alemão localizado na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial.

Campos de concentração representam o lado mais inumano de uma guerra. Presentes principalmente na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nestes locais eram praticadas as maiores crueldades contra os seus prisioneiros, desde o simples trabalho forçado, muitas vezes levando o prisioneiro à morte, passando por experiências científicas das mais cruéis possíveis. O povo judeu foi o que mais sofreu nestes espaços de confinamento, com mais de 6 milhões tendo suas vidas ceifadas durante o conflito – o extermínio em massa posteriormente chamado de Holocausto. Dentre os vários campos de concentração erguidos pela Alemanha durante a guerra, alguns se destacaram, sendo o mais importante o de Auschwitz, localizado na Polônia, onde foram mortos mais de 1 milhão de pessoas. Focando sua história em outro destes espaços, também na Polônia, “Sobibor” (nome do local) conta a história de resistência e revolta dos judeus em 1943, não sem antes mostrar muito sangue derramado, humilhações e mortes violentas.

Dirigido pelo russo Konstantin Khabenskiy (“#Selfi”), também no papel do soldado soviético Alexander Pechersky (conhecido por Sasha), o filme começa em clima alegre, com música tocando e felizes soldados alemães se preparando para receber um trem repleto de judeus em busca de abrigo e oportunidade de trabalho. Em cenas bem construídas, presenciamos os “forasteiros” sendo bem recebidos durante todos os trâmites necessários para acomodar essas pessoas em Sobibor ao mesmo tempo em que vemos trabalhadores em péssimas condições, dando a impressão de querer dizer algo para os recém-chegados. Nas cenas seguintes temos ideia do real objetivo do local, especialmente quando as pessoas que não encontram uma função a desempenhar são encaminhados para um banho. Em uma cena forte, mulheres, crianças e idosos são mortos em câmaras de gás. Khabenskiy consegue em pouco tempo criar vínculos com essas pessoas, dando a errada ideia de salvação e protagonismo delas na história.

Após essa sequência, passamos a conhecer os verdadeiros alemães. Liderados pelo comandante Karl Frenzel (Christopher Lambert, “Bel Canto”) somos apresentados a loucura e insensibilidade dos “administradores” do campo de concentração e também ao sofrimento dos prisioneiros mais antigos e suas histórias de constantes humilhações e castigos, em breve compartilhadas com os mais novos. O menor erro possível, ou alguma palavra dita fora de hora, levam a castigos terríveis, que podem trazer a morte – como quando prisioneiros são mortos de forma aleatória por tentarem fugir e serem pegos, em uma cena apreensiva e de forte comoção, essencialmente pela incerteza sobre quem vai morrer ou não. Em “Sobibor” a morte é mostrada de maneira crua e banal, com um tiro na cabeça tirando a vida de maneira instantânea.

Neste cenário desesperador, e sabendo do fechamento do local em breve – trazendo como consequência o extermínio de todos os prisioneiros –, um grupo de cativos busca encontrar formas de escapar. Cabe a Sasha organizar o plano de fuga, mas antes é necessário superar desavenças entre outros presos, muitos com medo dos castigos futuros caso o plano seja descoberto ou falhem na missão. Muitos se arriscam sem ter a certeza se sairão vivos.

Tal qual debatido pela filósofa e política alemã de origem judaica Hannah Arendt em seus estudos sobre o mal impetrado pelos alemães sobre os judeus aprisionados, o longa mostra os soldados como monstros executores de ordens, que não questionam o que fazem. A falta de profundidade dessa questão, o principal ponto negativo na produção, poderia ser melhor explicada não com a complexidade do trabalho de Arendt, mas mostrando o além do comportamento sádico de pessoas agindo feito máquinas de matar judeus sem dó nem piedade. Poderiam ser apresentados homens no exercício de sua função, sem espaço para questionamentos, segundo apontou a filósofa em um dos seus estudos sobre a banalidade do mal. Apesar de ser difícil imaginar humanidade durante esse trágico período histórico, o modo de construção dos vilões não convence. Essa falta de contexto se deve, talvez, ao fato do filme ser russo, país citado de maneira positiva no filme. Seria o mesmo sentido patriótico vistos em filmes americanos?

Sendo cruel e dramático ao mesmo tempo, “Sobibor” cativa e comove quem o assiste. Vemos cenas bonitas e outras fortes, como quando os judeus são usados na qualidade de cavalos para carroças durante uma festa alemã regida ao som de violinos tocados por outros prisioneiros – um exemplo do bom uso da trilha sonora, se encaixando de maneira certa nos momentos mais impactantes da narrativa. Cheios de frases fortes e momentos marcantes, principalmente durante a execução do plano de Sasha, “Sobibor” é um relato marcante de quem sobreviveu e foi humilhado durante a Segunda Guerra Mundial. Os sobreviventes nunca esquecerão desse terrível momento, e o público também irá lembrar dessa história por um bom tempo, como deve ser.

Filipe Scotti
@filipescotti

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