Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Árvore de Sangue (2018, Netflix): casos de família

Recheado de simbolismos, novo longa da Netflix mergulha nos dramáticos segredos em comum de duas famílias.

“Cada ferida vai cicatrizar, e no mesmo lugar, uma nova pele vai se formar”, diz uma música que bem pode resumir o que nos deixa “Árvore de Sangue“, o novo longa da Netflix. O filme espanhol traz uma bela obra para quem é fã de cinema, e trata de mergulhar nas raízes da árvore genealógica de famílias bastante curiosas. A verdade é capaz de abrir feridas, e como fazer para sará-las?

A história acompanha o casal Rebeca (Úrsula Corberó, da série “La Casa de Papel”) e Marc (Álvaro Cervantes, “Os Últimos das Filipinas”), que começa a escrever a história em comum de ambas as famílias. Intercalando entre os dois, vai crescendo em flashbacks uma trama que a princípio pode parecer confusa, mas com o tempo se ajeita e consegue prender a atenção do espectador, muito devido também à química do casal. Úrsula e Álvaro entregam ótimos personagens, e é possível captar cada sensação deles, acompanhar bem suas evoluções com o andar da história e quase sentir cada toque. As boas atuações de Patricia López Arnaiz (“O Guardião Invisível”), Joaquín Furriel (“A Quietude”) e Daniel Grao (“A Catedral do Mar”) também agregam para o bom funcionamento do desenrolar da narração.

É muito interessante como tudo no filme contribui bem para o roteiro. Até mesmo as várias cenas de sexo – marca registrada do diretor e roteirista Julio Medem (“Lúcia e o Sexo”) – possuem um propósito, e estreitam ainda mais os laços entre os personagens. E com o foco do filme sendo em apenas um local em boa parte do tempo, faz-se importante essas relações, que são afrouxadas, apertadas e até partidas conforme a história vai sendo relembrada e descoberta.

E nesse amarra e desata laços, entra em jogo a verdade e a fidelidade. O casal entra em um terreno perigoso e desconhecido, e verdades precisam ser ditas. A sinceridade toma força e, o que aparenta cisão, vem para fortalecer. Fortalece não apenas a relação, mas o próprio filme; para alguns, os dois primeiros atos podem ser um tanto quanto arrastados, só vindo a engrenar mesmo no terceiro, onde de fato as coisas chegam a um nível fatal. Não por isso o longa é massante ou cansativo, pelo contrário, mas é necessário um bom olhar observador para se deleitar nos simbolismos do filme.

A visualização que o casal tem de suas histórias é muito interessante também: as cenas se misturam, como se acontecessem ao mesmo tempo. Revivendo memórias, os personagens deixam o espectador na dúvida de onde acontece cada cena. E essa mistura vem bem a calhar quando ambos acabam por tornar presentes acontecimentos passados, abrindo cicatrizes antigas, formando novas feridas que só podem ser saradas juntas, tornando-se uma só.

“Árvore de Sangue” é mais uma boa escolha na Netflix. O toque espanhol torna o filme excêntrico e nos deixa um bom drama para quem gosta de apreciar a sétima arte. Um filme que vai na raiz da relação com a verdade e como lidar com a revisita de memórias – e algumas cicatrizes abertas.

João Victor Barros
@jotaerrebarros

Compartilhe